quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O mensalão e a "pressão da mídia"


Eugenio Bucci
Com o início do julgamento do processo do mensalão, no supremo tribunal federal (STF), muita gente voltou a falar em “pressão da mídia”. Muita gente mesmo. Políticos, magistrados, jornalistas, advogados e cidadãos a granel apontam o dedo contra a tal “pressão da mídia”, quase sempre em tom de reprovação. A”mídia”, afirmam eles, estaria prejulgando os acusados e afrontando os ministros do STF com uma cobrança indevida e monstruosa. Já houve até quem comparasse essa “pressão” com uma “faca no pescoço”, como se os jornais, as revistas e as emissoras de rádio e televisão assumissem a forma de uma guilhotina colossal ameaçando nucas desprotegidas.
Por favor. Se pode haver exageros e ataques pessoais inaceitáveis em algumas reportagens, há muito mais despropósito nesse discurso sobre a “pressão da mídia”. Pense bem, você, leitor: o que eles querem dizer com isso? Estará em curso uma campanha dos meios de comunicação para condenar à execração pública todos os réus, sejam eles culpados ou inocentes?
Para responder a essas perguntas, comecemos com um esclarecimento de ordem semântica: “mídia” não é sinônimo de imprensa. O embaralhamento entre as noções de “mídia” e imprensa é traiçoeiro, perigoso. Estabelece um sinal de igual entre jornalismo, programas de auditório, novelas e publicidade, além de sugerir que tudo o que o jornalismo faz é propaganda ideológica. Nada mais falso.
“Mídia” é uma palavra esquisita. Veio para nosso idioma pela transcrição da pronúncia inglesa do termo latino media, que é o plural de medium (meio). Media significa meios ou, em nosso caso, meios de comunicação: rádio, televisão, internet, veículos impressos e muito mais. Dentro de cada um desses meios, os gêneros de programas são incontáveis. Há os humorísticos, as novelas, as missas, os cultos animados por telepregadores, aos borbotões bíblicos, além de transmissão de jogos de futebol. Há de tudo e mais um pouco. Nada disso, porém, é jornalismo. Aliás, quando o jornalismo se deixa confundir com o entretenimento ou com a publicidade, ele se barateia, perde substância e deixa de informar com precisão.Agora pense bem, você, leitor. Você é criança? Você não tem discernimento próprio? Você é um cordeirinho nas mãos da máquina da “mídia”? E mais: será que você não tem direito de conhecer a fundo o processo do mensalão, que, por todos os motivos, já é um processo judicial histórico? Eu e você sabemos que muitas vezes jornalistas se prestam a papéis indignos, mas não podemos qualificar de indigna a cobertura geral do mensalão. Ao contrário: apesar de seus excessos, essa cobertura contribui para que conheçamos melhor os fatos e os argumentos de cada um. Todos sabemos também que à imprensa não cabe julgar. O que ela deve fazer é contar o que se passa. Se ela não cumprir esse dever, de forma crítica, independente e plural, a sociedade não terá como acompanhar a evolução do processo e não terá como fiscalizar e avaliar a decisão de cada um dos magistrados.Ora, quem se ocupa da cobertura do julgamento do mensalão não é a “mídia”, mas os jornalistas, que trabalham para os mais diversos veículos, com as mais diversas orientações editoriais. Quem vê nessa cobertura uma campanha da “mídia” acusa as empresas de “mídia” de articular uma conspiração “midiática”, dentro da qual os repórteres não passariam de serviçais dos interesses dos patrões, que são contra o governo. Logo, imprensa é igual a propaganda e, em vez de informar, promove uma lavagem cerebral na nação, ela também inocente e desprotegida, como uma criança, como o pescoço em flor dos ministros do supremo.
Não, não há “pressão da mídia”. Existe, sim, a exaltação de ânimos diferentes na opinião pública, e essa exaltação se reflete na imprensa. Existe a mobilização de setores da sociedade civil, para um lado e para outro, é bom lembrar, ora a favor dos réus, ora contra eles, em manifestações legítimas. Quanto à imprensa, ela vem informando e debatendo, sob enfoques diferentes, dependendo de cada órgão jornalístico, numa diversidade que está aumentando no Brasil.
Quanto mais informação houver, mais chance teremos de que esse julgamento seja justo. A imprensa erra, é verdade, mas os erros que ela comete vão sendo contestados por outras vozes, num ambiente plural, como deve ser, em que a opinião pública polemiza livremente. A liberdade de imprensa vai equilibrando a liberdade de imprensa. Naturalmente. Os jornalistas, bem ou mal, estão cumprindo seu dever. Que os ministros do Supremo façam o mesmo – e isso aqui não é pressão contra ninguém.

domingo, 5 de agosto de 2012

Os amigos e os inimigos do Rei


No curto prazo, deve ser bom ter a “amizade” do rei, do chefe, do patrão ou do mais forte, ainda que injustiças sejam cometidas. Todavia, a história nos mostra que, no longo prazo, o que era bom se torna ruim, uma vez que a cumplicidade de outrora cobra seu preço. No caso brasileiro, o rei é, desde sempre, o governo, independente do partido político que esteja no poder. 
         A todo tempo, lemos notícias dando conta de pressões e chantagens políticas e financeiras que burocratas do governo – geralmente o ministra da fazenda -, fazem a grupos de empresários para que façam ou deixem de praticar algo que desagrade ou traga algum ônus político ao governante de plantão. Se se tratar de ano eleitoral, a chantagem – para não dizer extorsão – é explícita, a depender das necessidades que o cálculo político impõe.
         E, não por acaso, por estarmos vivendo um período eleitoral, as práticas citadas acima avultam no cenário político. A última chantagem foi feita pelo atual ministro da fazenda, Guido Mantega, aquele que se denominou de “levantador de PIB”, em entrevista recente. Sem se dirigir especificamente a qualquer uma das montadoras de veículos, a referida “autoridade” disse, por meio de sua assessoria, que não iria “tolerar” o descumprimento dos acordos de não demissão nos setores beneficiados por redução do IPI, entre eles o automotivo e o de linha branca (máquinas de lavar, geladeiras e fogões).
         Além das eleições, a fala do ministro reflete o receio das consequências da crise econômica mundial em terras tupiniquins – ainda que se fale em “marolinhas”. Vale dizer que, apesar de a chantagem feita, por si só, ser algo deletério, a estratégia adotada, de aumento do consumo mediante a redução das taxas de juros e de impostos, segundo alguns dos mais importantes economistas, está equivocada, já que a renda dos trabalhadores brasileiros se encontra bastante comprometida, situação que acarreta num maior endividamento da população, crescendo a taxa de inadimplência que, por sua vez, faz com que os bancos cobrem mais pelo empréstimo de capital, o que significa o retorno de juros mais altos.
         Se, de um lado, temos um governo que sempre buscou intervir na economia brasileira – e os últimos anos têm inúmeros exemplos -, do outro, o empresariado, de forma geral, mostra-se suscetível a acordos, ainda que isso custe a sua liberdade no longo prazo, como se vê agora, já que a decisão de se demitir alguém, deveria ser, exclusivamente, da empresa, sem que o governo opinasse ou pressionasse. Entretanto, como este, via de regra, empresta dinheiro público (BNDES), para a expansão e a produção de certos setores, estes, outrora aliados, veem-se relativamente aprisionados aos (des)propósitos governamentais. O problema está justamente nessa união espúria: o mercado, para que funcione corretamente ou da melhor forma possível, isto é, de forma justa e competitiva, de sorte a premiar os mais eficientes, para que venha a fornecer produtos melhores e mais baratos aos consumidores, não pode sofrer interferências de entes alheios ao cálculo econômico.    
         Está cabalmente demonstrado que um governo cada vez mais ativo na economia produtiva só é capaz de trazer problemas a longo prazo, conquanto privilegie alguns setores com impostos menores. Por ser governo e se manter pela arrecadação de tributos, se ele diminui de um lado, compensa com o aumento em outros setores, o que causa desequilíbrios. Pelo lado dos produtores, estes deveriam observar que quando fazem alianças e acordos com o governo – ainda que premidos pelos impostos -, perdem a liberdade para estabelecer as condições em que criam mercadorias, aspecto essencial para que se possa produzir da forma mais eficiente possível. Por último – e sempre por último -, os consumidores. Ora, se as empresas que fazem os acordos são os amigos do Rei, os consumidores são seus inimigos.

sábado, 28 de julho de 2012

O papel do jornal


Merval Pereira

A imprensa enfrenta no mundo permanente batalha de credibilidade, que volta e meia é perdida. Embora aqui no Brasil ainda apareça entre as instituições mais respeitadas pela opinião pública, há um desconforto na relação da imprensa com a sociedade. Se de um lado ela ainda depende da imprensa para ter seus direitos respeitados e para que denúncias sejam investigadas pelos governos, de outro há questionamentos persistentes quanto à irresponsabilidade do noticiário, sobre as acusações veiculadas — o que muitos classificam de denuncismo — ou quanto ao superficialismo do noticiário.
A imprensa aqui, mais que em outras partes, se transforma em poder por uma disfunção dos demais poderes. Ao produzir um primeiro nível de conhecimento dos fatos — o que muitos definem como um rascunho da História —, exerce o papel socialmente relevante de ser um canal de comunicação que liga Estado e nação, mas também os muitos setores da nação entre si. É sua atribuição fazer com que o Estado conheça os desejos e as intenções da nação, e com que esta saiba os projetos e desígnios do Estado.
No sistema democrático, a representação é fundamental, e a legitimidade da representação depende muito da informação, que aproxima representados e representantes. Nunca é demais relembrar o grande jornalista
americano Jack Anderson, considerado o pai do jornalismo investigativo, segundo quem a necessidade de a imprensa ocupar um lugar antagônico ao governo foi percebida com clareza pelos fundadores dos Estados Unidos, e por isso tornaram a liberdade de imprensa a primeira garantia da Carta de Direitos.
“Sem liberdade de imprensa, sabiam, as outras liberdades desmoronariam. Porque o governo, devido à sua própria natureza, tende à opressão. E o governo, sem um cão de guarda, logo passa a oprimir o povo a que deve servir”.
O presidente americano Thomas Jefferson entendeu que a imprensa, tal como o cão de guarda, deve ter liberdade para criticar e condenar, desmascarar e antagonizar.
Não obstante todos os novos recursos tecnológicos e as mudanças na sociedade que colocam o cidadão como protagonista, é o jornalismo, seja em que plataforma se apresente, que continua sendo o espaço público para a formação de um consenso em torno do projeto democrático. E os jornais ainda são a fortaleza maior do jornalismo de qualidade, tão importante para a democracia. A tese de que as novas tecnologias, como a internet, os blogs, o Twitter e as redes sociais de comunicação, como o Facebook, seriam elementos de neutralização da grande imprensa é contestada por pesquisas.
Uma, recente, da Associação de Jornais dos EUA (NAA na sigla em inglês) mostrou que os jornais tradicionais são marcas confiáveis para as quais o leitor corre quando algo importante acontece. A pesquisa mostra que ¾ de todos os usuários da internet têm os jornais como principal fonte de notícias, e os leem em várias plataformas.
Não é à toa que os sites e blogs mais acessados tanto nos EUA quanto no Brasil são aqueles que pertencem a companhias jornalísticas tradicionais, já testadas na árdua tarefa de selecionar e hierarquizar a informação. O jornalismo profissional tem uma estrutura, uma forma profissional de colher e checar informações que a vasta maioria dos blogueiros não tem. Não há dúvida de que, com o surgimento das novas tecnologias, os jornais perderam a hegemonia da informação, mas continuam sendo fatores fundamentais para cidadania.
São novos desafios, como o de explorar uma intensa variedade de meios de levar informação ao leitor sem ao mesmo tempo sufocá-lo com informação demais, produzindo a desinformação, que surge da profusão da informação, de seu encantamento, de sua repetição em círculos, na definição do filósofo francês Jean Baudrillard.
O filósofo alemão Jürgen Habermas define como a dupla função do que chama de “a imprensa de qualidade” atender à demanda por informação e formação. No texto “O valor da notícia”, ressalta que estudo sobre fluxos de comunicação indica que, ao menos no âmbito da comunicação política, a imprensa de qualidade desempenha papel de “liderança”: o noticiário político de rádio e TV depende dos temas e das contribuições provenientes do que chama de jornalismo “argumentativo”.
Sem o impulso de uma imprensa voltada à formação de opinião, capaz de fornecer informação confiável e comentário preciso, a esfera pública não tem como produzir essa energia, diz Habermas.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Contra o consumidor


Carlos Alberto Sardenberg

Quase todo mundo tem uma bronca com companhia telefônica. Celular que não pega, conta alta e ininteligível, instalação demorada e errada de internet - a lista é infinita.
É o fracasso da privatização, anima-se muita gente por aí. Desse ponto de vista, seria natural que brotasse um movimento pela reestatização das teles, mas não é o que se vê. A atitude dominante é reclamar, infernizar a vida das empresas com burocracias e impor prejuízos a elas.
Acham com isso que estão punindo as empresas, mas acertam no consumidor.
Considerem o caso recente de Porto Alegre, onde o Procon suspendeu a venda de novas linhas de celulares, por falhas no serviço atual. Os celulares não funcionam em certas áreas. Enquanto isso não for resolvido, as teles amargam a perda de vendas. Quem precisa de um celular, fica na fila.
Ora, celulares dependem de antenas e, pois, de torres. Quanto mais, melhor o sinal. Logo, parece lógico, as teles não podem mesmo vender linhas se não têm as torres.
Mas, no outro lado da história, os executivos das teles notam que as sete licenças necessárias para levantar uma torre em Porto Alegre não são concedidas em menos de seis meses, isso se a burocracia funcionar perfeitamente. Ou seja, leva muito mais. Além disso, mesmo quando saem as licenças, fica proibido colocar torres e antenas em tal número de locais que não há como evitar as "zonas de sombra".
Acrescente-se ao quadro que as empresas, ao vencerem licitações e receberem outorgas de frequência, são obrigadas a cumprir prazo para oferecer as linhas.
Resumo da ópera: o poder público concede, depois impõe regras que limitam a instalação de antenas e pune as teles por não entregar o serviço adequado.
Além das normas nacionais, há mais de 250 legislações estaduais e municipais, criando uma teia de entraves.
Tanto é problema que o Comitê Organizador da Copa fixou procedimento especial para as 12 cidades-sede. As licenças para instalação de torres têm de sair em no máximo 60 dias. Isso porque as teles estão obrigadas a instalar as redes de quarta geração (4G) até abril de 2013. E essa frequência exige um número maior de antenas. Porto Alegre é sede. Seu prefeito, José Fortunati, assinou o protocolo, mas a legislação restritiva continua em vigor. Resultado, estão todos lá tentando desfazer o embrulho.
No país, e mundo afora, as restrições baseiam-se em dois pontos. Um é urbanístico: as torres, obviamente, afetam o visual. Alguns dirão: estragam o cenário. Outros entenderão que armações com arquitetura avançada podem ser um ganho para a paisagem urbana. O outro ponto é ambiental e de saúde: uma preocupação com as consequências da emissão de raios. O que restringe, por exemplo, a colocação de antenas em áreas populosas, ali onde são mais necessárias.
Mas a Organização Mundial de Saúde já disse não haver evidências de que as antenas de celulares e os próprios causem danos às pessoas. Quanto à paisagem urbana, é decisão das populações.
Nada, portanto, que não se possa resolver com leis e regras simples e claras. Por que temos o contrário?
Pelo viés anticapitalista. Vamos reparar: a privatização das telecomunicações é um êxito espetacular. Em poucos anos, saímos da idade da pedra para o quinto mercado mundial de telefonia, com mais de 250 milhões de linhas.
Parte dos problemas vem dessa rapidez. Em um mercado muito competitivo e sob pressão para cumprir prazos da concessão, as teles mandaram ver. Parece claro que, não raro, faltaram equipamentos e mão de obra.
Mas está aí instalado e funcionando, de novo, o quinto sistema mundial de telefonia e internet, em constante processo de modernização. Por isso mesmo, nem os mais anticapitalistas pedem a reestatização. Mas sustentam o viés contra a empresa privada, especialmente a grande. É vista como predadora, ávida de lucros, para o que não hesita em esmagar os consumidores.
Logo, tem de ser regulada, controlada e taxada com impostos pesados, para que seus lucros sejam divididos com a sociedade, como dizem.
Tudo que conseguem é mandar a conta para o consumidor, de duas maneiras. Ou há barreiras à ampliação dos serviços, gerando ineficiência econômica, um custo para todos, ou o preço fica mais caro. Impostos, taxas e contribuições já formam a maior parte da conta.
Esse viés está espalhado dentro e fora do governo. Vai muito além das teles. Reparem a demora do governo em avançar nas concessões, mesmo depois de colocá-las como meta, e observem os termos e exigências dos editais. É como se dissessem aos concessionários: OK, vamos privatizar, não tem outro jeito, mas vocês vão ver só...

terça-feira, 17 de julho de 2012

Transtornos e desordens


João Ubaldo Ribeiro

De uns tempos para cá, é cada vez mais forte a tendência a não se ver o indivíduo como responsável pelos próprios atos. No terreno da ciência social esquerdoide, o sujeito é assaltante porque lhe faltaram oportunidades, não teve educação, vive numa sociedade consumista, foi vítima de bullying e mais quantos indicadores se concebam, em pesquisas cujos resultados são definidos pela própria formulação e, muitas vezes, não passam de manipulações pseudoestatísticas, destituídas de base sólida. Enxergam-se relações de causa e efeito inexistentes, que resistem até mesmo à óbvia verdade de que a ampla maioria dos que enfrentaram e enfrentam essas situações não é de delinquentes.
No terreno da psicanálise de boteco, o sujeito surra mulher e filhos porque foi também surrado, principalmente pela mãe. Ou - pois a psicanálise de boteco tem o condão de adaptar suas explicações e a causa que, num exemplo, surte determinado efeito em outro surte efeito contrário - porque não foi surrado e nem sequer advertido e, assim negligenciado pela mãe, nutre amor e ódio pela figura materna, na qual desconta seus recalques baixando a porrada na santa mãe de seus filhos, os quais também apanham porque dividem as atenções da dita figura materna. Ou qualquer outra especulação asnática, das muitas que volta e meia ainda ouvimos.
Agora, por meio da entusiástica colaboração de cientistas, psiquiatras e, principalmente, fabricantes de drogas psicoativas, vamos ingressar definitivamente na era em que qualquer comportamento ou qualquer emoção serão vistos como uma doença mental, no sentido mais lato do termo. Aliás, pouco se tem usado a expressão "doença mental". O chique agora, que repetimos como papagaios bem ensinados, é "transtorno", "desordem" ou "distúrbio". Sabemos que certamente a maioria dos psiquiatros e das psiquiatras, bem como a maioria dos cientistos e cientistas, embora talvez não a maioria dos fabricantes e fabricantas de drogas, não é constituída de enganadores venais e inescrupulosos, que tomam dinheiro dos fabricantes para promover a vendagem bilionária de remédios. Mas muitos e muitas são (está certo, vou parar com este negócio de flexionar os gêneros de tudo, sei que é chato; mas é só porque quero mostrar como certas coisas enfeiam e aleijam nossa já tão perseguida língua portuguesa) e a bandidagem deles combinada vai de vento em popa.
O número de transtornos e desordens aumenta exponencialmente e já se observou que, anunciado um novo mal, de que antes não havia relato, logo surgem novos "pacientes", gente que agora padece de síndromes também antes nunca descritas. E os males do espírito, digamos, muitas vezes não geram sintomas físicos, ou, se geram, são de difícil definição etiológica, de forma que o diagnóstico vira conceitual e subjetivo: eu acho que você está deprimido porque acho que seu quadro configura o que eu acho que é depressão.
Não há mais preguiça, há transtornos ou desordens de atenção, de motivação, de interação social, de tudo o que se possa imaginar. Não há mais agressividade, rudeza no trato, timidez, temperamento calado, nada disso, só há transtornos e desordens. Quando expira a patente de uma droga, seu fabricante se apressa a criar, novamente com a ardorosa colaboração de cientistas e psiquiatras contratados ou subvencionados generosamente, uma nova doença, a que a mesma droga se aplique, mudando apenas de nome. Emoções antes normais em qualquer ser humano podem facilmente revelar-se transtornos ou desordens, conforme o freguês e a moda psiquiátrica corrente. Não se fica mais triste, fica-se deprimido. Não se fica mais ansioso pela antecipação de alguma coisa, fica-se com distúrbios de ansiedade. E para tudo há uma pílula.
Claro, chegaremos, se já não chegamos e ainda não nos demos conta, ao ponto em que todo indivíduo, se confrontado com um hipotético "padrão normal", será portador de vários transtornos, distúrbios e desordens. Qualquer acontecimento que afete suas emoções, seu estado de ânimo ou mesmo seu bem-estar físico deverá ser objeto de controle medicamentoso. Posso até imaginar que talvez já exista, e no futuro poderá prosperar, a figura do PP, o Personal Psychiatrist, não para receitar ou atender no consultório seu cliente milionário, mas para acompanhá-lo ao longo de todo o dia, ministrando-lhe a droga apropriada para a manifestação de qualquer de seus inúmeros distúrbios.
A infância, com a falsa descoberta de um número alarmante de bebês portadores de transtorno bipolar, passou a ser uma doença. Assim como, com toda a certeza, a puberdade, a adolescência, a jovem maturidade, a meia-idade e a velhice. Tudo doença, é claro, bola nisso tudo, bola em toda a existência, você é que pensa que é sadio, é porque não procurou direito sua doença. E, aliás, sugere a prudência que escolhamos logo nossos transtornos, desordens e distúrbios, porque do contrário poderemos estar sujeitos a que escolham por nós. E ninguém escapará, porque o objetivo é englobar toda a Humanidade.
O problema não é a ciência decretar que, de uma forma ou de outra, somos todos malucos. Isso todo mundo às vezes pensa. O problema é quando decidem qual é a nossa maluquice e nos forçam a uma "normalidade" que não queremos e não temos por que aceitar. A chancela da ciência pode ser adulterada. E não é impossível que, em determinadas situações, divergências com o Estado, ou com grupos de poder, acarretem muito mais que censura às artes e à imprensa. Podemos ser forçados a agir "normalmente" e considerados insanos, se discordarmos da normalidade oficial. Na União Soviética, houve tempo em que quem divergia do Estado era carimbado como doido varrido e encafuado num hospício. Tenho medo de não me encaixar na portaria da Anvisa que defina a normalidade e ser obrigado a tomar um Abestalhol por dia.

Democratas de ocasião


Ferreira Gullar

Deixei a poeira assentar para dar meu palpite sobre a polêmica surgida com o impeachment do presidente Fernando Lugo, do Paraguai. Ao saber da notícia, logo previ a reação que teriam os presidentes de alguns países sul-americanos, inclusive o Brasil.
E não deu outra. Hugo Chávez e Cristina Kirchner, como era de se esperar, reagiram de pronto e com a irreflexão que os caracteriza. Logo em seguida, manifestou-se Rafael Correa, do Equador, que, com a arrogância de sempre, rompeu relações com o novo governo paraguaio. Chávez decidiu cortar o fornecimento de petróleo àquele país. E o Brasil? Fiquei na expectativa.
Como observou certa vez García Márquez, o Brasil é um país sensato e, acrescento eu, talvez por nossa ascendência portuguesa, pé no chão. E assim foi que Dilma primeiro mandou seu ministro das Relações Exteriores qualificar o impeachment de "rito sumário". Ou seja, não teria sido dado a Lugo tempo para se defender.
Sucede que o próprio Lugo, presente à sessão do Congresso quando se votou seu impedimento, declarou: "Aceito a decisão do Congresso e estou disposto a responder por meus atos como presidente".
Não disse que o Congresso agira fora da lei nem que tinha sido impedido de se defender. De acordo com as normas constitucionais paraguaias, recorreu à Suprema Corte e ao Tribunal Superior de Justiça, que não atenderam a seus recursos por considerarem constitucional a deposição e legítima a entrega do governo ao vice-presidente.
Só depois que os vizinhos tomaram a inusitada atitude de repelir a decisão do Congresso paraguaio foi que Lugo mudou de opinião e decidiu formar um governo paralelo, este, sim, destituído de qualquer base legal.
Fala-se em golpe, mas só um presidente já politicamente inviável é impedido com o apoio praticamente unânime do Congresso: 76 votos a 1 na Câmara de Deputados e 39 a 5 no Senado. Fora isso, nem os militares nem o povo paraguaios se opuseram. Pelo contrário, o impeachment de Lugo parece fruto de uma concordância nacional. Nessa decisão pesou, sem dúvida, o Partido Liberal, de centro-direita. Mas foi com o apoio deste que ele se elegera presidente da República.
O que houve então? Um complô de que participaram todos os partidos e quase a totalidade dos deputados e senadores? Se fosse isso, o povo paraguaio teria saído às ruas para protestar e denunciá-los. Só uns poucos o fizeram. As Forças Armadas, os intelectuais, os sindicatos protestaram? Ninguém.
O inconformismo com o impeachment de Lugo veio de fora do país: de Hugo Chávez, Cristina Kirchner, Evo Morales, Dilma Rousseff, que se apresentam como defensores da democracia. Serão mesmo?
Vejamos. Hugo Chávez suspendeu o funcionamento de 60 emissoras de rádio e televisão que se opunham a seu governo, criou uma espécie de juventude nazista para atacar seus opositores e fez o Congresso mudar a Constituição para permitir que ele se reeleja indefinidamente. Cristina Kirchner apropriou-se da única empresa que fornece papel à imprensa argentina, de modo que, agora, jornal que a criticar pode parar de circular.
Já Rafael Correa processa um jornal de oposição por dia, exigindo indenizações bilionárias. Democratas como esses há poucos. Dilma mandou seu chanceler a Assunção para pressionar o Congresso paraguaio e evitar o impedimento de Lugo, como o faziam antigamente os norte-americanos conosco.
Como se vê, há um tipo de democrata que só defende a democracia quando lhe convém. Mas, mesmo que Chávez, Cristina, Morales, Correa e Dilma fossem exemplos de líderes democráticos, teriam ainda assim o direito de se sobrepor às instituições paraguaias e à opinião pública daquele país?
Como o impeachment de Lugo consumou-se de acordo com a Constituição paraguaia e pela quase unanimidade dos parlamentares, o único argumento do nosso chanceler foi o de ter sido feito em "rito sumário". No entanto, que chance deram eles ao Paraguai para se defender das sanções que lhe foram impostas? Nenhuma. Essas sanções, além de sumárias, são também ofensivas às instituições do Estado paraguaio e a seu povo.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Quem precisa de crescimento?


Rodrigo Constantino

Confesso que acordei um tanto sombrio hoje. Deve ser o clima, com essas nuvens carregadas. Ou talvez seja a sexta-feira 13. Sei lá. O que sei é que minha paciência, normalmente elevada, chegou ao limite e explodiu. Portanto,data venia, mas não posso ficar calado diante das novas afirmações de nossa ilustre “presidenta”.

Dilma disse: "Uma grande nação deve ser medida por aquilo que faz para as suas crianças e adolescentes, não é o PIB". Não é lindo isso? Não obstante o mistério de o que exatamente este governo tem feito de bom para nossas crianças e adolescentes, resta descobrir como será o futuro deles se a economia ficar estagnada.

Mas eis o que realmente revira meu estômago: não era este o governo que ainda há pouco se vangloriava porque nosso PIB ultrapassara o do Reino Unido? O governo dança conforme a música. A presidente cada vez mais se parece com seu antecessor, o Zelig, o camaleão humano que sabe se adaptar para qualquer público e ocasião. Haja cara-de-pau!

O Secretário de Política Econômica do Ministério das Finanças, Márcio Holland, pede paciência. Como eu disse no começo, a minha se esgotou. Para o economista, existe crescimento acima de 7%, mas sem democracia, sem estabilidade e com má distribuição de renda. Ora, ora, temos vários casos com crescimento bem maior que o nosso, com democracia e maior estabilidade, como o Chile ou países asiáticos.

Além disso, resta descobrir onde estão a grande estabilidade e a boa distribuição de renda no Brasil. À democracia eu concedo o benefício da dúvida, mas quando se trata do PT é sempre bom estar alerta. Ela tem resistido, a duras penas, a despeito do PT, e não por causa dele.

Acordei sombrio, dizia eu. Pensei na excelente coleção dos “reis malditos”, de Maurice Druon, uma vez que a superstição com a sexta-feira 13 pode ter ligação com o extermínio dos Cavaleiros Templários a mando de Felipe O Belo, no começo do século 14.

No livro, o autor coloca no Grão-Mestre dos Templários, Jacques DeMolay, as últimas palavras que amaldiçoaram seus algozes: “Eu convoco vocês ao Tribunal dos Céus antes do término deste ano!” Não chego a tanto. Mas convoco este governo ao tribunal dos dados econômicos objetivos até o final do ano!    

domingo, 8 de julho de 2012

O perigo do monopólio da virtude


          A cena de Lula e Maluf abraçados – além de Haddad – pode ter chocado alguns espíritos ingênuos. Para aqueles que nunca acreditaram no projeto político do PT, foi apenas mais um episódio de um projeto de lutar pelo poder, que há anos vem se tornando cada vez mais evidente. A rigor, a surpresa só pode ser fruto de uma foto que escancara a promiscuidade, já que o partido de Maluf apoiou o governo Lula desde o começo.
            Para além destas questões, a busca pelo poder a qualquer custo por parte do PT – claro que os outros partidos políticos fazem o mesmo -, expressa a visão de que políticos e burocratas têm da vida e da política. E me refiro à este partido em especial porque a visão dos agrupamentos de esquerda, principalmente no Brasil, guardam para si o monopólio da virtude. Isso significa que, por mais que errem, façam alianças espúrias, sejam condescendentes com a corrupção, tomem decisões econômicas equivocadas e ultrapassadas, tudo será justificado pelo final a ser alcançado, seja o estado de Bem-Estar Social, seja o socialismo, este último um tanto fora de moda. Se este é o fim, o objetivo a ser perseguido, vale qualquer coisa, já que é um apenas um meio para atingir um bem maior. De fato, a lógica subjacente a isso tudo é a mesma desde sempre; ocorrem-me, agora, os expurgos stalinistas, quando aqueles que se tornavam um entrave ao “projeto socialista” eram mortos ou enviados aos campos de trabalhos forçados. Ou antes ainda, sob o império de Lenin, que defenestrou muitos intelectuais críticos ao processo revolucionário e, por um tempo, até adotou medidas capitalistas – o taylorismo – para o “bem” da revolução – plano industrialização + soviets -, sob a escusa de “dar um passo atrás, para caminhar dois à frente depois”.
Dos campos de trabalhos forçados na Sibéria até a aliança com o notório corrupto Maluf, apenas o modus operandi mudou. Não se fala mais em revolução armada, não se busca o confronto direto; buscam-se outras formas de chegar ao poder – inclusive a democrática. Porém, a lógica que inspira tudo isso permanece: tudo se justificava se a ação é virtuosa. E a virtude é monopólio da esquerda; é a luta maniqueísta do bem contra o mal, do proletariado contra o burguês, do negro contra o branco, do subdesenvolvido contra o desenvolvido. Não há nuances nesta história, por mais complexa e contraditória que seja.
Desse modo, se um partido de esquerda – geralmente o PT, já que os outros têm pouca relevância atualmente -, toma uma atitude errada, como aumentar os impostos – em que pese tal mentalidade não ser exclusividade deste partido, infelizmente -, mesmo que venha penalizar os mais humildes, por ser feito, supostamente, em nome destes, não há que se criticar. É como se fossem seres ungidos pela sabedoria divina, com a qual podem fazer o bem comum. O estado, para estes, encarna a razão suprema e infalível e, somente por meio dele, pode-se chegar ao paraíso terreno, que alguns denominam socialismo.
O mais curioso – e bizarro – disso tudo, é que Marx e Engels, especialmente estes, sempre conclamaram pelo fim do estado, o “comitê da burguesia”. Seus herdeiros atuais fazem o oposto: defendem este ente o máximo que podem, sobretudo porque auferem lucros e garantem o emprego dos companheiros. O perigo disso tudo é o fim da democracia, do pluralismo e dos direitos individuais, elementos capitais para a vida em sociedade. 

sábado, 7 de julho de 2012

Que seria de nós sem eles?


Nelson Motta

Desde a queda do Muro de Berlim o mundo discute o assunto a sério, mas a última gargalhada foi de Paulo Maluf, depois do seu histórico encontro com Lula: "Não existe mais isso de esquerda e direita".
Assim como o patriotismo é o último refúgio dos canalhas, Maluf e Lula sabem que no Brasil malandro de hoje a ideologia se tornou o melhor abrigo para a preguiça, a incompetência e a ladroagem. Tudo pela causa, mas primeiro quero o meu.
Já a direita, coitada, não tem causa, só efeitos e defeitos: nada que contraria a esquerda pode ser bom. Um Brasil dividido entre os justos da esquerda e os malvados da direita é o fruto podre da ignorância e da propaganda.
Há 40 anos diziam que a esquerda comia criancinhas. Hoje é a direita que come. Lula e Zé Dirceu continuam culpando-a por tudo de ruim que acontece no Brasil e querem que acreditemos que tudo de bom foi obra deles. Para eles, e para Maluf, não há mais conservadores, liberais e radicais na política: como nas tribos pré-históricas, renascidas no primitivismo das torcidas organizadas, agora é tudo no "nós contra eles", como nas guerras sindicais.
O Brasil teve grandes avanços econômicos e sociais nos últimos tempos, mas empobreceu dramaticamente nos seus quadros políticos. Enquanto os representados melhoraram, os seus representantes, com cada vez menos exceções, só pioraram. E o País cresce, apesar deles.
Mas vamos ser sinceros: o que seria de nós, cronistas, sem eles? Quantas gargalhadas os leitores perderiam? Quantas histórias constrangedoras de personagens ridículos não seriam contadas? Quanta sordidez humana ficaria escondida? Porque eles são a crônica viva de nosso tempo para as futuras gerações.
Quando os meus netos e bisnetos lerem, ouvirem ou assistirem no cinema em 3D a história política, social e policial de Paulo Maluf, dos seus anos dourados na ditadura e queda do muro do Jardim Europa ao lado de Lula, entenderão melhor o Brasil da geração do seu avô e o que legamos para eles. Sentirão vergonha e repugnância, mas vão se divertir muito com as cenas de comédia e os shows de cinismo do satânico doutor Paulo.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

A cura gay


Contardo Calligaris

Em 1980, a homossexualidade sumiu do "Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais". Em 1990, ela foi retirada da lista de doenças da Organização Mundial da Saúde.

Médicos, psiquiatras e psicólogos não podem oferecer uma cura para uma condição que, em suas disciplinas, não é uma doença, nem um distúrbio, nem um transtorno. Isso foi lembrado por Humberto Verona, presidente do Conselho Federal de Psicologia, numa entrevista à Folha de 29 de junho.

No entanto, o deputado João Campos (PSDB-GO), da bancada evangélica, pede que, por decreto legislativo, os psicólogos sejam autorizados a "curar" os homossexuais que desejem se livrar de sua homossexualidade.

Um pressuposto desse pedido é a ideia de que os psicólogos saberiam como mudar a orientação sexual de alguém (transformá-lo de hétero em homossexual e vice-versa), mas seriam impedidos de exercer essa arte --por razões ideológicas, morais, politicamente corretas etc.

Ora, no estado atual de suas disciplinas, mesmo se eles quisessem, psicólogos e psiquiatras não saberiam modificar a orientação sexual de alguém --tampouco, aliás, eles saberiam modificar a "fantasia sexual" de alguém (ou seja, o cenário, consciente ou inconsciente, com o qual ele alimenta seu desejo).

Claro, ao longo de uma terapia, alguém pode conseguir conviver melhor com seu próprio desejo, mas sem mudar fundamentalmente sua orientação e sua fantasia.

Por via química ou cirúrgica (administração de hormônios ou castração real --todos os horrores já foram tentados), consegue-se diminuir o interesse de alguém na vida sexual em geral, mas não afastá-lo de sua orientação ou de sua fantasia, que permanecem as mesmas, embora impedidas de serem atuadas. A terapia pela palavra (psicodinâmica ou comportamental que seja) tampouco permite mudar radicalmente a orientação ou a fantasia de alguém.

O que acontece, perguntará João Campos, nos casos de homossexualidade com a qual o próprio indivíduo não concorda? Posso ser homossexual e não querer isso para mim: será que ninguém me ajudará?

Sim, é possível curar o sofrimento de quem discorda de sua própria sexualidade (é a dita egodistonia), mas o alívio é no sentido de permitir que o indivíduo aceite sua sexualidade e pare de se condenar e de tentar se reprimir além da conta.

Por exemplo, se eu não concordo com minha homossexualidade (porque ela faz a infelicidade de meus pais, porque sou discriminado por causa dela, porque sou evangélico ou católico), não posso mudar minha orientação para aliviar meu sofrimento, mas posso, isso sim, mudar o ambiente no qual eu vivo e as ideias, conscientes ou inconscientes, que me levam a não admitir minha orientação sexual.

Campos preferiria outro caminho: o terapeuta deveria fortalecer as ideias que, de dentro do paciente, opõem-se à homossexualidade dele. Mas o desejo sexual humano é teimoso: uma psicoterapia que vise reforçar os argumentos (internos ou externos) pelos quais o indivíduo se opõe à sua própria fantasia ou orientação não consegue mudança alguma, mas apenas acirra a contradição da qual o indivíduo sofre. Conclusão, o paciente acaba vivendo na culpa de estar se traindo sempre --traindo quer seja seu desejo, quer seja os princípios em nome dos quais ele queria e não consegue reprimir seu desejo.

Isso vale também e especialmente em casos extremos, em que é absolutamente necessário que o indivíduo controle seu desejo. Se eu fosse terapeuta no Irã, para ajudar meus pacientes homossexuais a evitar a forca, eu não os encorajaria a reprimir seu desejo (que sempre explodiria na hora e do jeito mais perigosos), mas tentaria levá-los, ao contrário, a aceitar seu desejo, primeiro passo para eles conseguirem vivê-lo às escondidas.

O mesmo vale para os indivíduos que são animados por fantasias que a nossa lei reprova e pune. Prometer-lhes uma mudança de fantasia só significa expô-los (e expor a comunidade) a suas recidivas incontroláveis. Levá-los a reconhecer a fantasia da qual eles não têm como se desfazer é o jeito para que eles consigam, eventualmente, controlar seus atos.

Agora, não entendo por que João Campos precisa recorrer à psicologia ou à psiquiatria para prometer sua "cura" da homossexualidade. Ele poderia criar e nomear seus especialistas; que tal "psicopompos"? Ou, então, não é melhor mesmo "exorcistas"?

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Mais uma intervenção estatal deletéria


           
“Prefeitura de SP decide cassar licença do shopping Higienópolis”. Eis aí mais uma atitude em defesa dos paulistanos. Será mesmo? A justificativa da vez – já que uma ação de uma entidade pública deve ser sempre fundamentada, ainda que da forma mais absurda -, é que o estacionamento do referido shopping não apresenta o número mínimo de vagas – 1.994. Ora, e não está certo o setor de “Supervisão Técnica do Uso do Solo e Licenciamentos” da Subprefeitura da Sé em tomar tal atitude? Não, é evidente que não.
          De fato, estacionar em shoppings está cada vez mais caro e difícil. E por quais motivos? Posso sugerir um: o aumento de consumidores, já que estes estabelecimentos oferecem mais segurança para quem vai às compras. Segundo a reportagem da Folha Online, o número de vagas oferecidas pelo shopping é de 1.175, quantidade bem abaixo da exigida.
            Apesar deste déficit de vagas, os consumidores que frequentam o shopping preferem-no a ir outros shoppings ou a outros centros comerciais (25 de março, Brás, Oscar Freire, Feirinha da Madrugada, etc.). O que isso quer dizer? Significa que os indivíduos, inobstante as dificuldades e aborrecimentos para encontrar uma mísera vaga para estacionar seu carro – sem considerar aqueles que vão a pé ou de metrô/ônibus -, entendem que vale a pena frequentar o shopping com poucas vagas. Portanto, trata-se de uma decisão individual dos consumidores que, obviamente, afeta a produção e o comércio das lojas que compõem o shopping. Se os consumidores mudarem de opinião e entenderem que é demasiadamente penoso encontrar uma vaga e mudarem de centro comercial, os próprios lojistas – após pesquisarem a respeito dessa mudança -, exigirão um maior número de vagas, facilitando a vida dos antigos frequentadores, de sorte que tenderão a voltar para lá. Portanto, ao contrário do que se possa pensar, como a prefeitura ao lado do consumidor que passa apuros para encontrar uma vaga no shopping Higienópolis, não, não é isso. A prefeitura de SP ou de qualquer outra cidade, apenas atrapalha as decisões individuais, intrometendo-se numa seara exclusiva do mercado, onde somente indivíduos devem decidir.
            Se tudo isso não bastasse, a cassação da licença de funcionamento deste shopping acarretará em desemprego para milhares de pessoas que lá trabalhavam. Pergunto: o que há de bom nisso tudo? Nada, absolutamente nada.
            Por fim, a reportagem informa que a administradora do shopping teria pago propina para obter alvarás de funcionamento. Ora, este é mais um problema do Brasil cartorial e burocrático. É a velha consequência de o estado querer regular toda a atividade econômica. Velha porque muitos já explicaram isso; um deles é P.J. O’Rouke: “Enquanto comprar e vender são controlados pela legislação, as primeiras coisas a serem compradas são os legisladores”.

sábado, 30 de junho de 2012

Liberdade econômica e crescimento

Embora curto, este vídeo é bastante interessante, já que demonstra como a liberdade econômica induz ao crescimento. Mais do que isso, mostra como o Estado e seu único papel na sociedade, regulá-la, é pernicioso e contrário ao desenvolvimento em todos os sentidos. Aproveitem. Para ver os demais vídeos, acessem o canal "Libertarianismoplus" no Youtube.



sexta-feira, 29 de junho de 2012

Precisamos de menos leis


João Luiz Mauad

Certa vez, fui convidado a participar de uma reunião de apresentação das ideias e propostas de um candidato a vereador. O rapaz era bem falante, articulado e intencionado.  Durante meia hora, resumiu sua plataforma:  propor um sem-número de projetos de lei que, a seu juízo, iriam melhorar a qualidade de vida dos cidadãos.
Ao final, houve um breve debate no qual cada um falou dos problemas que gostaria de ver resolvidos, como asfaltamento de ruas, policiamento noturno, mudanças no trânsito, poda de árvores, pontos de ônibus, preço da água de coco nas praias e até cocô de cachorro nas calçadas.  Na minha vez, para espanto de muitos, eu disse que gostaria de votar num candidato que estivesse comprometido, única e exclusivamente, com a fiscalização das contas e ações do prefeito, além da revogação de centenas de leis e decretos inúteis ou contraproducentes. A expressão de incredulidade no rosto do moço era visível, principalmente quando eu disse que não apoiava uma só das propostas de lei que ele, orgulhosamente, havia elencado.
Lembrei daquela noite há poucos dias, ao ler nos jornais sobre uma lei recentemente sancionada pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, obrigando os frequentadores de academias daquela cidade a apresentar exames e atestados médicos semestrais, que deverão ser mantidos junto às fichas dos alunos para eventual fiscalização da autoridade competente.  Desnecessário dizer que o não cumprimento da lei pode levar ao fechamento do estabelecimento, afinal as pessoas não sabem o que é melhor para elas (exceto no interior de uma cabine de votação, claro) e o Estado precisa cuidar para que tomem as “decisões” corretas. Por ser uma medida exagerada, esta lei provavelmente incentivará fraudes, como a busca por atestados falsos, exames comprados, consultas burocráticas, além, é claro, do desestímulo à prática do próprio exercício.
Não foram raras as vezes, ao longo da história, em que leis elaboradas com as melhores das intenções acabaram gerando incentivos perversos e consequências imprevistas, muitas vezes na direção oposta à planejada.  É clássico, por exemplo, o episódio ocorrido em Hanoi, Vietnam, ainda no tempo da colonização francesa.  Preocupadas com a proliferação dos ratos na cidade, as autoridades elaboraram um programa destinado a pagar um certo prêmio para cada rato abatido pelos cidadãos. Imaginavam que, com o auxílio da população, poderiam exterminar os roedores mais facilmente. Tudo que conseguiram, entretanto, foi que as pessoas começassem a criar ratos em casa para vendê-los ao laborioso governo.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), desde 05 de outubro de 1988 (data da promulgação da atual Constituição Federal), até 05 de outubro de 2011 (seu 23o aniversário), foram editadas 4.353.665 normas que regem a vida dos cidadãos brasileiros. Isto representa, em média, 776 normas editadas por dia útil.  Trata-se de um evidente exagero, cujo resultado, como advertia Churchill, é o aumento contínuo do desrespeito à Lei.
Embora a necessidade de desregulamentação e simplificação legislativa seja quase unânime, medidas nesse sentido são raríssimas.  E não poderia ser diferente, já que o padrão normalmente utilizado para medir a eficiência de políticos e administradores públicos é justamente a quantidade de normas aprovadas, como bem sabia o nosso candidato a vereador.
O mais preocupante, contudo, são as consequências do excesso de regras.  O antigo filósofo chinês Lao Tsu, considerdo por muitos o primeiro pensador liberal, já dizia que quanto mais restrições artificiais impuserem ao povo, mais ele será empobrecido; e quanto mais leis e regulamentos houver, mais se estimularão as fraudes, os roubos e outros ilícitos.
Alguns dirão que, à medida que a sociedade cresce, as normas devem se multiplicar, a fim de que a ordem seja mantida.  Ledo engano.  Quanto mais complexas forem as sociedades, mais as leis devem ser poucas e simples.  Como não são sere sonipresentes e oniscientes, os legisladores não conhecem nem um milionésimo do cotidiano de uma sociedade complexa, sendo-lhes impossível obter as informações de que necessitariam para planejá-la e direcioná-la consistentemente.  Na verdade, os indivíduos que atuam em nome do Estado não conhecem nem uma ínfima parcela das pessoas, dos fatos e das circunstâncias que envolvem cada relação social ou transação e conômica.  Inibir a livre iniciativa equivale a frear o desenvolvimento. Aliás, não é outra a razão porque as experiências de planificação e dirigismo estatal ao redor do mundo redundaram sempre em formidáveis fracassos.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Entre o medo e a bajulação


Carlos Alberto Sardenberg

Conta-se que Juscelino Kubitschek, no fim do seu governo, começou a distribuir cartórios, naquele tempo vitalícios e transmissíveis para os filhos, e, como sempre, máquinas de fazer dinheiro. No Congresso, parlamentares da velha UDN denunciavam essa farta distribuição aos amigos, quando um líder do PSD de JK respondeu: mas queriam o quê? Que distribuísse para os inimigos?
Capitalismo de amigos não é novidade, portanto. Mas temos outro tipo hoje, o do medo. Dia desses, o executivo de uma grande empresa brasileira, embora enraivecido com confusões feitas pelo Ministério da Fazenda com alíquotas de impostos, explicava por que não pretendia reclamar, muito menos brigar: os caras vão ficar muitos anos por aí.
Os caras são os do PT, claro. É verdade que o governo federal tem caras de muitos partidos, mas não há dúvida sobre quem manda. Precisa de mais uma prova?
Aqui, em dados divulgados nesta semana pela Justiça Eleitoral: no ano passado, sem eleições, o PT arrecadou nada menos que R$ 50,7 milhões com doações de empresas. Isso é 21 vezes superior à arrecadação do PSDB, o principal partido da oposição e que ainda pode ter alguma competitividade em eleições presidenciais. E mais: o PSDB detém governos em estados tão economicamente poderosos como São Paulo e Minas.
Conclusão: o federal vale 20 vezes mais que o estadual.
Normal, dizem. Algo assim: queriam o quê? Que os empresários dessem dinheiro para a oposição, abertamente, registrado na Justiça Eleitoral?
Por que não? Nos EUA, por exemplo, Obama, quando candidato da oposição, em 2008, arrecadou mais que seu adversário governista. Neste momento da campanha americana, Obama, agora presidente, ainda arrecada mais, mas o republicano Romney chega bem perto.
E não é só por aí que acontecem coisas anormais no Brasil. O governo federal e suas estatais contratam serviços de empresas, compram produtos e ainda emprestam dinheiro a juros favorecidos, sem contar a função tradicional do Estado de arrecadar impostos, aqui travestida do poder de escolher quem vai pagar mais ou menos.
Ter boas conexões com Brasília pode ser mais eficiente para uma empresa do que buscar competitividade no mercado. Entre os principais doadores do PT, estão companhias amplamente beneficiadas por contratos, regimes tributários especiais e empréstimos do governo.
Por outro lado, uma canetada da Fazenda, mudando impostos, pode eliminar ganhos de produtividade obtidos com investimentos em tecnologia e métodos.
Ou seja, é conveniente ser amigo dos caras. Se não der, convém ao menos não ser visto como adversário.
Reparem: não se trata de uma negociata do tipo “ou passa lá no balcão do PT (ou do PMDB ou do PP) ou não leva nada”. Ninguém pode dizer que acontece assim no BNDES, no Banco do Brasil, nas compras da Petrobras ou nos gabinetes da Fazenda, para citar apenas os locais de decisões governamentais mais importantes.
Também não se pode dizer que a forte participação da administração federal e suas estatais seja uma novidade. O que é diferente é a mão pesada e o ativismo dos governos do PT. Isso vem especialmente desde o segundo mandato e está em franca escalada.
O governo Dilma intervém em todos os setores. Muda constantemente alíquotas de impostos, para diminuir e aumentar, altera regras do comércio externo, age sobre a taxa de câmbio e empresta mais dinheiro a juros favorecidos a grupos favorecidos. É um modelo oficial: o Estado manda, escolhe e indica onde as empresas devem trabalhar. A presidente dá lições a todos.
Cria-se uma teia de interesses, mas não de todos. São claramente favorecidos alguns setores, considerados pelo governo como os mais importantes para o país.
Daí os vícios. Primeiro, as escolhas de Brasília podem estar erradas, e frequentemente estão, como prova a História do Brasil recente, dos anos 70, no governo Geisel.
Segundo, o modelo distorce o comportamento dos agentes econômicos, que ficam entre o temor e a bajulação ao governo. Repararam na propaganda dos grandes bancos privados depois que levaram a bronca da presidente Dilma? Agradar o governo, fazer favores a seus membros, torna-se comportamento quase de sobrevivência.
Terceiro, mais importante, o modelo gera corrupção. Reparem: se a maior doadora para o PT é uma companhia amplamente favorecida pelo governo (a JBS), ainda que seja tudo legal, por que o diretor do terceiro escalão de um ministério não pode pedir dinheiro para seus projetos políticos e negócios pessoais?
Não é verdade que sempre foi assim no Brasil e que é assim pelo mundo afora. Acontece em muitos países, certo, mas não podem ser o exemplo que queremos. Nas democracias, o governo é submetido a regras que limitam o poder do governante de plantão – e, inversamente, garantem a liberdade e a autonomia dos cidadãos, em qualquer atividade, além da igualdade de oportunidades.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Arrastões


Contardo Calligaris

Um amigo, dono de um restaurante paulistano tradicional, não perde a piada. Ele me explicou por que sua categoria está preocupada com a recente onda de arrastões: é que pensávamos, ele me disse, que assaltar os clientes fosse prerrogativa exclusiva da gente.

Piada à parte, na semana passada, a TV Folha me entrevistou sobre os arrastões que estão acontecendo logo em São Paulo -onde sair para jantar é o programa convivial por excelência, e o restaurante é um lugar tão familiar quanto a casa da gente.

Mesmo sem considerar essa especificidade paulistana, o assalto à mesa é sempre perturbador. A oralidade é o prazer mais primitivo, cuja "lembrança" (digamos assim) permanece em nós como modelo de qualquer outro prazer (por isso, aliás, é difícil parar de fumar ou de comer: as tentações orais são as mais irresistíveis).
Consequência: a experiência de ser assaltado no meio de uma boa refeição é comparável à de um bebê que recebesse um cascudo bem na hora em que ele está mamando, de olhos fechados, perdidamente feliz.

Enfim, a reportagem suspeitou que os arrastões ganhassem espaço na mídia por serem contra restaurantes na moda. Será que as classes C e D são excluídas das pautas da mídia?

A questão me levou de volta aos anos 1980 e 90, quando quase todos os bem-pensantes pareciam concordar com a suposição de que a causa da apavorante criminalidade brasileira fosse a também apavorante diferença social. Essa ideia (desmentida por qualquer pesquisa séria) voltava, como um joão-bobo, a cada vez que se tratasse de explicar a insegurança nas nossas ruas.

Para proteger essa tese falida, a gente (eu mesmo cooperei) insistia na distinção entre diferença econômica e exclusão: a diferença, por maior que fosse, não seria causa de criminalidade, enquanto a exclusão social, ela sim, produziria criminalidade, pois, afinal, quem é ou se sente excluído não pertence à comunidade -e, se não pertenço à comunidade, por que eu respeitaria suas leis? Para o excluído, as ditas forças da ordem não teriam legitimidade, mas seriam uma espécie de exército estrangeiro de ocupação. Para ele, o crime seria, então, um ato de resistência? "Mamma mia."

Mesmo a ideia de uma relação entre criminalidade e exclusão mal resiste à prova dos fatos. Mas tanto faz: o que importa é que, hoje, no Brasil, é difícil invocar um aumento da diferença econômica ou da exclusão para explicar a volta da criminalidade.

De fato, sempre soubemos que a criminalidade não é um efeito da diferença econômica, nem da exclusão, mas adorávamos essa ideia porque ela satisfazia tanto nossas aspirações de clareza (temos uma criminalidade absurda, mas "sabemos" por quê) quanto nossos anseios de justiça (a criminalidade compensa a iniquidade social).

A criminalidade brasileira assim explicada não precisava de um plano de ação: a culpa era nossa, e, portanto, podíamos nos resignar a sermos "justamente" assaltados (ou quem sabe mortos) por sermos cúmplices de um sistema "injusto". Aguentaríamos a violência e a inexistência de um espaço público frequentável porque assim expiaríamos o pecado original da diferença social.

Você não acha que a violência dos anos 1980 e 90 fosse aceita como uma necessária penitência depois da confissão? Certo, havia outras razões por essa tolerância da criminalidade: uma delas é que as ditas elites econômicas eram tão estrangeiras ao país quanto os excluídos -não havia problema em entregar ruas e esquinas aos bandidos, contanto que a residência (real, psíquica ou sonhada) das elites fosse em Miami, Nova York ou Paris.

Seja como for, a prova dessa aceitação é que nenhum político nacional dos anos 1980 ou 90, nem mesmo um demagogo, apresentou-se como porta-voz de um grande plano de segurança pública. Com a verbosa exceção da "Rota na rua" de Maluf em 2002, parece que um verdadeiro projeto de segurança nunca foi prioritário (aparentemente, porque tal projeto não prometia dividendos eleitorais suficientes).

Pois bem, felizmente, nos últimos dez anos, a diferença social diminuiu, assim como diminuiu a exclusão. Portanto, não é possível explicar a criminalidade crescente pela diferença social, que não está crescendo.
Talvez, agora, possamos começar a lidar realmente com o problema da segurança pública no Brasil, sem que nossos conselheiros sejam a culpa e a necessidade de autopunição.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Ostentação da estupidez: uma crítica à crítica pueril da desigualdade

Recentemente, li um texto sobre os efeitos dos últimos arrastões em restaurantes de luxo frequentados pela elite paulistana. Dentre os vários que foram publicados nos sites e na blogosfera, um deles me chamou a atenção pela sua crítica pueril. Trata-se do artigo "Ostentação deveria ser crime previsto no Código Penal", publicado ontem, de Leonardo Sakamoto (http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/').  É um jornalista conhecido na internet, que trabalha com os temas dos Direitos Humanos, trabalho decente e meio ambiente, como avisa seu o "frontispício" de seu blog. 
O objetivo do texto, para além da crítica à ostentação da elite bandeirante, é criminalizá-la. Ora, o autor pode dizer que exagerou deliberadamente neste ponto, mas acredito que, no fundo, essa é a sua vontade - e de muitos outros também. E qual o motivo? Inveja? Ódio? Desejo pelo igualitarismo entre as classes sociais? Talvez uma miscelânea disso tudo, além de outros ingredientes. Para cumprir o que propõe, lança mão de algumas das mais  ultrapassadas teses da esquerda, as quais se mostraram equivocadas. 
A primeira delas está na moda; é o bullying. Segundo Sakamoto, a ostentação seria um bullying entre classes sociais. Ora, o notável jornalista poderia definir melhor esta frase de efeito, não? O que será que se busca dizer com isso? No limite, afirma que seria "uma agressão, um tapa na cara". Entre indivíduos, este fenômeno é uma agressão, geralmente psicológica e permanente, que pode ou não acarretar problemas à criança. É claro que muitos exageram - principalmente com a tentativa de criminalizá-lo e não ser tratado com um problema a ser resolvido entre a escola e os pais -, mas o bullying entre indivíduos existe. Agora, pensá-lo como uma agressão entre coletivos de pessoas é surreal, bizarro mesmo. Enfim, é mais uma tentativa frustrada de culpar a sociedade pelos problemas de cada um.
Nessa esteira, o autor nos relembra a velha tese da desigualdade social: o infrator/bandido como vítima da sociedade. Ora, ninguém, em sã consciência, aceita integralmente tal discurso. Pode-se afirmar que a pobreza diminui as chances e oportunidades de uma pessoa, mas daí para avalizar um crime há uma distância enorme. Isso porque vivemos um dos períodos de menor desemprego; imagine se fosse o oposto. Levado às últimas consequências, isso significa que o crime só se justificaria se estivéssemos em uma situação de pleno emprego? Além disso, conscientemente ou não, este discurso trata os criminosos - pobres ou não -, como verdadeiros mentecaptos e seres autômatos, que não sabem a diferença entre o bem e o mal, o certo e o errado. Sem a pretensão de falar sobre a desigualdade social, esta existe - e assim é no mundo todo - porque os bens são escassos. É impossível que todos tenham tudo ao mesmo tempo. E isto, sobretudo, por conta dos altos impostos cobrados, que atrapalham o crescimento econômico e impedem o enriquecimento das pessoas. 
Quanto aos comentários feitos pela elite e captados pela colunista Mônica Bergamo, que seriam "preconceituosos" com relação aos assaltos e arrastões, ora Sakamoto, o senhor gostariam que fossem elogiosos? O senhor, por acaso, sofreria um assalto à mão armada e agradeceria ao criminoso? Tenho minhas dúvidas. Ter medo e mudar hábitos são reações humanas. Pobre ou rico, qualquer um teria tais sentimentos e atitudes. É possível criticar alguma fala mais exagerada, mas não vejo nada demais. O fato de uma pessoa ter um celular blackberry, usar jóias e usar roupas caras a torna uma criminosa? Na cabeça de L. Sakamoto  parece que sim. Agora, o que proporia o blogueiro? Uma revolução cultural como ocorreu na China ou o retorno ao stalinismo, situações em que a pobreza e o igualitarismo reinaram? 

Em tempo: é interessantes ler os comentários sobre o texto de Sakamoto. Alguns deles criticam a miopia do autor, especialmente a respeito da romantização do criminoso. A realidade pede passagem aos devaneios acadêmicos.        

segunda-feira, 18 de junho de 2012

A paranoia bullying

Luiz Felipe Pondé

Entro em sala de aula várias vezes na semana. Daí vem muito do que penso acerca dos modismos perniciosos que assolam o mundo da educação.

E daí também vem o fato de que, apesar de ser pessimista (nada tem de chique no pessimismo, apenas para quem não o conhece por dentro e o confunde com um estilo melancólico de se vestir), não desisto da vida e vou morar no bosque de "Walden" (ou algo semelhante), como fez o filósofo americano Thoreau no século 19.

Hoje vou comentar um caso específico de moda que em breve provavelmente vai destruir qualquer liberdade e espontaneidade na sala de aula: a "paranoia bullying".

Se atentarmos para o que o Ministério Público prepara como controle da vida escolar "interna", veremos, mais uma vez, a face do totalitarismo via hiperatividade do poder jurídico.

Ao invés de atacar o que deve ser atacado (o lixo que é a escola no Brasil, porque o Estado arrecada impostos como um dragão faminto, mas não dá nada em troca), o Estado e seu braço armado, o governo socialista que temos há décadas, que adora papos-furados como cotas raciais e bijuterias semelhantes, invade o espaço institucional do cotidiano escolar com sua vocação maior e eterna: o controle absoluto da vida nos seus detalhes mais íntimos.

E ninguém parece enxergar isso, muito menos a pedagogia e sua vocação, nos últimos anos, para livros bobos da moda e palestrantes de autoajuda.

Quando ouço alguma "autoridade pública em bullying", sinto que estou diante de um inquisidor, que, como todos, sempre se acha representantes do "bem".

Seria de bom uso dar aulas de história dos perfis psicológicos dos grandes inquisidores, como Torquemada e Bernard de Gui, para essas "autoridades públicas" em invasão da vida íntima das pessoas e das instituições. Eles descobririam sua ascendência direta do grande inquisidor de Dostoiévski ("Irmãos Karamazov").

Em breve, a melhor solução para o professor será a indiferença preventiva para com os alunos. Melhor uma aula burocrática e avaliações burocráticas do tipo "múltipla escolha" ou "diga se é falso ou verdadeiro", mesmo nas universidades, porque assim o aluno não poderá acusar o professor de "desumanidade" ao reprová-lo, ou pior, acusá-lo de bullying porque desconsiderou sua "cultura de ignorante", mas que "merece respeito assim como Shakespeare".

Os "recursos" contra reprovação logo se transformarão em processos contra "bullying intelectual". E os fascistas do controle jurídico da vida terão orgasmos.

Atitudes como estas destroem a autoridade da instituição, dos profissionais que nela trabalham e transformam todos em reféns da "máquina jurídica". O resultado é que família e escola perdem autonomia. O que este novo coronelismo não entende é que existe um risco inerente ao convívio escolar e que as autoridades imediatas, professores e coordenadores é que devem agir, e não polícia ou juízes.

Na minha vida como aluno em universidade tive duas experiências com dois professores que hoje poderiam ser enquadradas facilmente neste papinho de "tratamento desumano", mas que foram essenciais na minha vida profissional e pessoal.

A primeira, quando era um aluno da medicina na Universidade Federal da Bahia, ocorreu no dia em que perguntei a um professor como um paciente terminal via o fato de que ele ia em direção ao nada. Ele disse: "O senhor está na aula errada, deveria estar na aula de filosofia".

Isso, numa faculdade de medicina, significa mais ou menos que você não tem a natureza forte o bastante para encarar a vida como ela é.

A segunda, já na faculdade de filosofia da USP, aconteceu quando um professor me deu zero e disse para procurá-lo. Ao me ver, no meio da secretaria e na frente de vários funcionários e alunos, ele disparou: "Suas ideias são ótimas, seu português é um lixo".

Em vez de preparar a polícia para prender bandidos que assaltam casas e restaurantes aos montes, o governo prefere brincar com essas bijuterias, fingindo que cumpre sua função de garantir a segurança pública. Será que isso é medo de enfrentar os criminosos de verdade?