segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A Ficha Limpa abriu caminho para o recall de políticos


Wálter Fanganiello Maierovitch


            A Lei da Ficha Limpa aprimorou as condições de elegibilidade. Falta-nos, como titulares do poder, remédio eficaz e democrático para mandar de volta para casa  o representante que escapa das obrigações assumidas quando recebeu o mandato popular. No direito constitucional esse remédio chama-se recall e deve ser aplicado a vereadores, prefeitos, deputados, governadores e senadores.
            Para a revista CartaCapital que está nas bancas escrevi sobre o recall, uma das lutas que perdi na elaboração da Constituição de 1988. Fiz várias palestras e exposições. Até no Instituto Roberto Simonsen, da Fiesp. A derrota foi fragorosa, pois o tema nunca empolgou os constituintes. Nem o ministro Jobim, aquele que, em livro, confessou ter colocado na Constituição artigos que não passaram pelo exame e aprovação dos constituintes.
            A  Lei da Ficha Limpa, de iniciativa de 1,3 milhão de eleitores, cuja legitimidade constitucional acabou de ser reconhecida no Supremo Tribunal Federal (STF) por 7 votos a 4, mostra como os cidadãos podem interferir de maneira positiva no aperfeiçoamento do sistema democrático. Essa iniciativa cidadã em pouco tempo recebeu firme adesão da opinião pública esclarecida.
            Agora parece ter chegado a hora da mobilização para se implantar o recall, mecanismo apto a cassar, por iniciativa popular, aquele que trai a confiança do eleitorado. Em passado recente, o eleitorado californiano democrata deu “cartão vermelho” ao governador Gray Davis. Para os eleitores, Davis não cumpriu as promessas de campanha. Uma lista com assinaturas dos eleitores democratas insatisfeitos, que atingiu o número legal, levou à consulta (recall) e, pelo voto, o governador acabou defenestrado. Depois disso, abriu-se um processo eleitoral. O vencedor foi o republicano Arnold Schwarzenegger.
            Sobre o recall, Lenin influenciou a sua adoção na Hungria, Romênia, Polônia, União Soviética, antiga Alemanha Oriental e na então Tchecoslováquia. Para o líder russo, num escrito publicado no jornal Iskra durante seu exílio suíço, “um país não é democrático se o eleitor não contar com um instrumento para retomar o mandato concedido ao eleito”. O recall, frise-se, é empregado nos cantões suíços e apresenta-se útil para retomar mandatos de “vereadores” e dos administradores (prefeitos) cantonais. Foi na Suíça que Lenin descobriu o recall eleitoral.
            A opinião pública, e não se perde por esperar, deve pressionar para se estabelecer mandato por prazo certo e improrrogável para ministros do STF, com outros mecanismos de escolha e controle correcional sobre eles pelo CNJ, que deve se transformar em órgão real de controle externo. O recall também vai chegar, sempre para aperfeiçoar e aproximar o representante dos seus representados. A propósito, na vida civil, uma procuração (contrato de mandato) pode, conforme estabelece o Código Civil, ser rescindida quando o mandante perde a confiança no mandatário-procurador. Quem viver verá.

Comentário: A ideia do recall trazida neste texto me lembrou duas leituras que fiz há alguns anos. A primeira foi de uma parte do livro "Capitalismo, Socialismo e Democracia" de Joseph A. Schumpeter; a outra foi do livro "O futuro da Democracia" de Norberto Bobbio. Apesar de algumas diferenças, ambos vêem a democracia como um método a ser seguido; algo mais formal que substancial; enfim, um meio para se tomar decisões que envolvam uma coletividade de pessoas. Se a democracia é a forma de para se eleger os representantes, a recall é maneira de destituí-los do poder. Ambos os autores são céticos quanto a isso. Schumpeter talvez ainda mais e vai além quando afirma que o mandato é do representante eleito - seja do executivo ou legislativo -, e que este não deve prestar contas ao seu eleitorado. Nesse sentido, não haveria o menor espaço para qualquer noção parecida com o recall. Em poucas palavras, o representante não deveria sofrer pressões externas daqueles que o colocaram lá. Já Bobbio, ao dissertar sobre a representatividade na democracia direta, diz que o mandato de um eleito, a não ser em determinadas situações, não deve ser revogado. Embora não seja tão radical como Schumpeter, Bobbio vê problemas práticos no caso da revogação do mandato, além de citar alguns momentos históricos quando da aplicação deste modelo, os quais considerou pouco alvissareiros. Atualmente, um parlamentar, por exemplo, só é deposto se cometer algum crime, seja qual for a seara. O recall pode até vir a ser um instrumento interessante, uma forma de pressão popular para que o eleito cumpra o prometido, mas pode se mostrar um mecanismo perigoso, uma fonte inesgotável de perturbações institucionais. Se há um distanciamento exagerado entre representante e representados - e há -, se faltam mecanismos de "diálogo" entre estes sujeitos - recordo-me apenas da utilização do e-mail ao congressista -, talvez antes fosse necessário mudar a forma de se eleger, adotando o voto distrital. Aí, com a sua adoção, seria possível exigir do representante eleito o cumprimento de suas promessas, já que seu corpo de eleitores está mais fácil de ser identificado, dada a separação geográfica criada pelos distritos. 

sábado, 25 de fevereiro de 2012

A corrupção em perspectiva

          Sempre desconfio do discurso de que certas coisas eram melhores no passado. Dizem que em períodos pretéritos, as pessoas eram mais honestas e honradas, os produtos duravam mais, etc. Como exceção da escola pública, que quase todos dizem que era melhor – apesar de não se comparar o que era ensinado à época com o conteúdo atual -, muitos dizem que “antes que era bom”. Na política, muitos são os viúvos e viúvas dos militares, do período do “milagre econômico”, do “Brasil potência”, embora não saibam – ou se esqueceram? – de que a dívida externa foi concebida nesta infeliz quadra histórica; dívida que pagamos até hoje, que o seu serviço e a sua rolagem muito nos custa e nos tira verbas importantíssimas da saúde e educação pública. Além da saudade da forma sui generis de fazer política da Ditadura Militar, muitos dizem – sejam jovens ou mesmo pessoas mais velhas que viveram durante o período -, que a população, o povo ou a sociedade civil era mais ativa, mais combativa em relação aos desmandos políticos. Sobre isso tenho minhas desconfianças também, já que à época havia um inimigo declarado – ou melhor, havia vários dependendo da perspectiva político-ideológica: para a esquerda, os militares; para a direita, o “perigo comunista” e os grupos ligados à luta armada.
         Na esteira da noção de que as pessoas eram mais honestas – e isso vale até para os militares -, dizem por aí que não havia tantos políticos desonestos, de sorte que a corrupção não grassava como acontece hoje. É possível comparar os contextos históricos? Há como medir o grau de corrupção? Não sei ao certo, mas acredito que seja o oposto. Se entendermos que os seres humanos agem por meios de incentivos – pecuniários ou não -, a existência de corrupção é fruto do sistema político atual e do “agir ético”, ou melhor, da falta dele. Para fundamentar minha visão otimista atinente à diminuição da corrupção, se se busca diminuí-la, deve-se obrigatoriamente reduzir os espaços que ela possa florescer, sobretudo, por meio de mecanismos criados em períodos recentes, como a exigência de licitação pública para compra de materiais e contratação de serviços no setor público, lei criada no início dos anos 90; recordo também a Lei de Responsabilidade Fiscal, criada em 2000, que trouxe avanços para a moralidade da atividade política – embora necessite de melhorias e ajustes com o passar dos anos. Enfoco também a criação da lei da Ficha Limpa, fenômeno recentíssimo que, mais do que outro parafuso nesta engrenagem político-normativa, tem origem popular - sem dúvida algo notável. Nesta mesma linha, ressalto a criação de inúmeras Ongs e associações que fiscalizam as contas públicas de prefeituras.
         Este breve périplo sobre os recentes mecanismos de moralização da atividade política serve para negar a tese acima citada: de que antes as pessoas eram mais ativas politicamente, em detrimento da “pasmaceira” atual, que pouco se importa para o que ocorre no submundo da atividade pública. Para mim, a edição destas leis, bem como a criação de novos entes políticos, é fruto da pressão popular que, mais educada e mais livre, é capaz de controlar – mesmo que minimamente -, as ações dos governos que sucederam ao longo dos últimos quinze ou vinte anos. Significa também que a corrupção, embora endêmica atualmente, pode passar a diminuir em um futuro nem tão distante.
         Contudo, sua diminuição, como se vê, é lenta e gradual. Lenta e gradual porque a forma e o método democrático, baseado na “lógica do acerto e do erro”, é moroso; se por um lado é assim, sua positividade está no fato de que é um sistema capaz de consolidar seus ganhos, firmando novos valores e princípios com o passar do tempo. Em que pese a cruel realidade hodierna, especialmente em tempos de processo eleitoral, com a aparição de escândalos que envolvem ambos os candidatos, o ponto a ser destacado é que há mecanismos concretos de combate à corrupção, que se ainda não são capazes de miná-la satisfatoriamente, ensejam esperanças de dias melhores. A luta, entretanto, é árdua, já que a corrupção é alimentada pela lamentável cultura política brasileira, composta por séculos de patrimonialismo, compra de votos, ausência de espírito republicano, utilização da máquina pública, etc.
         Para aqueles descrentes em relação à regeneração da atividade política, finalizo o texto com uma célebre frase de Edmund Burke, político conservador inglês do século XVIII: “A única coisa necessária para o triunfo do mal é o que os homens bons não façam nada”. 

Direitos humanos e cidadania: convergências ou divergências?

        A questão posta no título desse texto remete à realidade político-social brasileira atual, mais de cem anos depois da elevação dos valores republicanos e democráticos por meio da Proclamação da República em 1889 no Brasil, além dos sessenta anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem em inúmeros países. No meio desses importantes signos da história da humanidade, a cidadania – como medidor da realização dos outros dois – apresenta sinais alarmantes.
         Conceitualmente, cidadania é a conjunção dos direitos cívicos, políticos e sociais garantidos pelo Estado a todos os homens. Essa idéia tem origem nas formulações de T. H. Marshall, conhecido sociólogo inglês do século passado. Este, ao estudar a história inglesa, atentou para a seguinte disposição do desenvolvimento político de seu país: em primeiro, no século XVIII, vieram os direitos civis, ou seja, direitos necessários à liberdade individual, liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, o direito à propriedade, contratos válidos e o direito à justiça, e a criação de instituições, como os tribunais de justiça; posteriormente, no século XIX, os direitos políticos vieram à luz, o direito de participar no exercício do poder político, seja como eleitor ou mandatário, a construção das instituições, como o parlamento e os conselhos de governo local; por fim, já no século XX, os direitos sociais - o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar da herança social e levar a vida de um ser civilizado, além da garantia de um sistema educacional e de serviços sociais.
         Em comparação à versão clássica, a história brasileira subverteu a ordem, de sorte que os primeiros direitos – incompletos e atacados até hoje, embora ressaltados na Constituição de 1988 – foram os sociais, caracterizados sobretudo pela legislação trabalhista dos anos 1930. A Carta Constitucional de 1945 deu vez aos direitos políticos, a partir do fomento de partidos políticos nacionais e da consolidação do voto feminino. Os direitos civis, embora sejam basilares e capazes de salvaguardar os outros dois grupos, são os mais castigados e incompletos, principalmente pela Ditadura Varguista de 1937 a 1945 e pela Ditadura Militar de 1964 a 1985.
         A narração das duas trajetórias é importante para colocar as seguintes questões: se a Declaração dos Direitos Humanos assegura as prerrogativas arroladas no documento a todas as pessoas, por outro lado, a situação da cidadania no Brasil passa ao largo disso, justamente pelas razões acima apontadas. Buscar a universalidade das proposições significa aprofundar os direitos à educação e à saúde públicas e de qualidade, às mais diversas liberdades políticas e civis. Contudo, o que se tem visto são tentativas camufladas de desrespeitar tais elementos; um exemplo é o pedido de empresários que, em tempos de crise econômica, batem na mesma tecla da suspensão temporária – termo ardilosamente impreciso – dos direitos trabalhistas, o núcleo dos direitos sociais. Um segundo fato ilustrativo é a idéia de que não se deve proteger os “bandidos”, de forma que estaria punindo indiretamente os “humanos direitos”. Ora, nada mais contrário à idéia capital da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Como partícipe de uma comunidade, seja ela um país, uma cidade ou um Estado-membro, mesmo o mais vil dos cidadãos deve ter seus direitos garantidos pelo Estado, sob pena de ser criado um poder discricionário, o qual julga arbitrariamente e anula os direitos humanos. Não se trata de um jogo de soma zero, muito menos de retirar os direitos humanos para garantir a efetividade dos direitos de outros, a questão é somá-los e garanti-los a todos.
         Ademais, renomados pesquisadores afirmam a existência de cidadãos de diversas “categorias” no Brasil: aqueles que têm seus direitos respeitados, outros que vivem no limiar dos direitos, ora respeitados, ora não; e os marginalizados, alijados de qualquer noção de direito. 

Agências (des) reguladoras

          A introdução de agências reguladoras na estrutura estatal é um fato consolidado na maior parte dos países ocidentais. No Brasil, sua implementação se deu ao longo dos anos 90, durante o processo de reforma do Estado, que buscou diminuir a face empresarial do Estado e aumentar seu aspecto regulador. A ideia original era que empresas privadas prestassem um determinado serviço e o Estado, através de agências compostas por técnicos, regulasse-o, resguardando direitos e interesses dos consumidores e trazendo maior eficiência aos setores através da competição entre os agentes privados. Contando com dez agências reguladoras nacionais, além de outras de âmbito estadual ou municipal, o modelo vige até o momento e não dá sinais de retrocessos. Todavia, acontecimentos recentes – e outros nem tão recentes -, apontam alguns problemas no funcionamento de boa parte das agências reguladoras.
         Os vazamentos de óleo ocorridos nos últimos tempos no litoral brasileiro, para além do debate que suscita, dado o impacto ambiental que está causando e que poderá vir a causar mais adiante, denota também a omissão da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) no tocante aos riscos acarretados por este tipo de atividade. A princípio, não é possível afirmar peremptoriamente quais seriam as causas da omissão, porém alguns exemplos podem ajudar a entender melhor os motivos para o mau funcionamento desta e de outras Agências Reguladoras.
         Em tese, a regulação serve para duas coisas: proteger a concorrência entre os agentes privados e preservar direitos e interesses dos consumidores. Da boca para fora, qualquer agente privado diz que a concorrência é benéfica a todos e que, por isso, são favoráveis a ela. Em seu íntimo, entretanto, sabem também que a concorrência implica em um maior esforço para manter sua posição no mercado. Logo, qualquer “auxílio” governamental neste ambiente competitivo, sobretudo nos setores que movimentam valores vultosos, é bem-vindo. De outro lado, temos a “classe” de políticos e burocratas dos altos escalões, historicamente sujeita ao patrimonialismo e ao clientelismo, que não mede esforços para aparecer nos jornais em escândalos de corrupção. Independentemente da forma como esta “simbiose” perversa entre agente privado e Estado se dá – lobbies, corrupção, troca de favores, etc -, o resultado é que a razão de ser do modelo regulador deixa de existir. É o que ocorre, por exemplo, quando um ex-funcionário do alto escalão de uma empresa é indicado a um posto de direção de uma agência reguladora. A imparcialidade necessária ao cargo – ainda que não absoluta, porque impossível -, esvai-se completamente, favorecendo sua antiga empresa, ou mesmo quem pagar mais, acabando por prejudicar a concorrência e, por conseguinte, os consumidores. O preenchimento de cargos comissionados com amigos e parentes de políticos em postos importantes das agências, fato recorrente em estatais que agora se expande para outros terrenos e instituições, é outra forma de macular seu papel. A cobrança indevida nas contas de energia elétrica por conta de um erro nos contratos com as concessionárias de energia em 2010 e o desastre com o avião da TAM (3054) em 2006, que não conseguiu parar na pista, vindo a se chocar com um prédio, são exemplos da deficiência da atuação das agências reguladoras de seus setores, ANAEL e ANAC, respectivamente, incapazes de regular e fiscalizar a contento as empresas.
         Sem dúvida, o modelo regulador do Estado é moderno e capaz de gerar bons frutos ao país; mais do que isso, deve ser um espaço para a ação de técnicos que atuem com espírito republicano, sem que sejam capturados por interesses particulares. Afinal, no caso do vazamento de óleo, o papel precípuo da ANP deveria ter sido a prevenção contra acidentes ambientais, e não apenas de divulgar com estardalhaço a punição das empresas petrolíferas. Ainda que correta a multa, o estrago já está feito.

Imprensa manipuladora e sensacionalista: o que nos resta?

         O júri de Lindenberg Alves na semana passada em Santo André (SP) fomentou emoções e manifestações das mais variadas possíveis. Críticas à atuação da advogada do acusado, polêmicas acerca da pena aplicada pela juíza do caso, além de ataques à cobertura da imprensa, tanto na época do assassinato de Eloá Pimentel, quanto do desenrolar do tribunal do júri. Apesar de o tema ser eminentemente jurídico, gostaria de aprofundar nas críticas ao desempenho da imprensa, aqui entendida em seu sentido mais amplo.
         A atuação jornalística é caracterizada conforme o momento histórico do Brasil. Alguns já a consideraram como um quarto poder da República, dado sua atividade fiscalizadora, outros a veem como fonte de manipulação, dada a ocorrência de alguns casos notórios e ainda há aqueles que a compreendem como parte de um processo de alienação juntamente com muitos outros programas veiculados nos canais. Ou seja, em meio a este caldo de expressões e significados, o certo é que a imprensa de uma forma geral, alicerçada na liberdade de imprensa e no direito de informar, não pode ter sua atividade completamente cerceada por possíveis abusos ou equívocos. Inobstante parecer um truísmo, momentos de grande comoção, como os quatro dias do júri popular, trouxe à baila numerosas críticas à imprensa. De fato, alguns abusos foram cometidos durante a transmissão do cárcere privado e da morte da vítima; houve até uma situação inédita: durante o sequestro, uma equipe de tevê chegou ao cúmulo de realizar uma breve entrevista com Lindenberg. Apesar disso, notadamente um excesso, as críticas à imprensa, taxando-a de sensacionalista ou tendenciosa, produzem um sentimento de descrédito geral em seus órgãos, como se não restasse outra opção a não ser a punição e o controle rigorosos.
         Uma questão interessante a ser pensada é a ideia de que a imprensa contribui para alienar e manipular a população. Para começar, são conceitos vagos, bem ao gosto daqueles que os utilizam. Logo, basta proclamá-los por aí que o trabalho estará feito. Existem casos de manipulação? Sem dúvida. O último exemplo internacional é o tabloide comandado por Rupert Murdoch que ultrapassou os limites da ordem. Entretanto, pôr a pecha de alienante e manipuladora a toda a imprensa é algo pior do qualquer deslize que ela possa vir a cometer. Fazendo isso, o que restaria à população? Acreditar e se informar por quais meios? Agências estatais? Parece que, na verdade, o que há é uma transformação da imprensa, especialmente de sua forma de atuação. Se antes havia um jornalismo sob a égide de uma pseudo imparcialidade – obviamente inatingível, conquanto fosse confortável imaginar que seria possível alcançá-la –, hoje temos órgãos e instituições jornalísticas que opinam sobre os mais variados assuntos, inclusive sobre política, moral e até futebol. Isto é, as empresas que veiculam informações passaram a tomar partido mais abertamente dos temas expostos. Pode parecer estranho ou imoral para alguns espíritos mais ingênuos, mas isso acontece há muito tempo em países como EUA e Inglaterra. Lá todos sabem, ou ao menos têm alguma ideia, de qual canal de televisão ou jornal impresso é a favor de determinada política, favorável ou não ao aborto ou à concentração do poder.
         A imprensa de um modo geral é igualmente acusada de ser sensacionalista no que toca à cobertura dada a certos fatos, mormente aqueles negativos, como tragédias familiares. Ora, malgrado os exageros que se vê por aí, é importante consignar que as notícias são feitas por pessoas com sentimentos, interesses e perspectivas próprias. Se o “problema” é a busca “desenfreada” pelo ibope, o qual possibilitaria maiores lucros, ainda bem que seja assim. O lucro, em qualquer área da atividade humana, é o motor que dinamiza a inovação, seja nas coberturas jornalísticas, seja na inclusão de novos equipamentos, seja nas discussões sobre o que é moral no trabalho da imprensa. De qualquer forma, basta ao telespectador mudar de canal e procurar algo mais próximo de seus interesses. Do contrário, o que nos resta?