quarta-feira, 25 de abril de 2012

Redes e Aquários


João Pereira Coutinho

Há um novo crime na praça. E eu sou culpado aos olhos de amigos, colegas, até leitores. Não respondo a e-mails de imediato. Só passados alguns minutos -ou algumas horas.
Defendo-me como posso. Digo, a sério, que só consulto a internet duas vezes por dia -ao acordar e ao deitar. Questão de higiene -mental. Curiosamente, quase sempre estou a escovar os dentes. 
Ninguém acredita. E, quem acredita, diz que isso não é desculpa: existem uns celulares que recebem e-mails em tempo real e permitem respostas em tempo real.
Agradeço a informação, mas não era preciso: eu próprio já recebi e-mails do gênero, que terminam com a declaração solene "esta mensagem foi enviada por iPhone".
Nunca sei que responder: mostrar-me abismado com a proeza e aplaudir a grande honra que o sujeito me concedeu?
Às vezes, há situações bizarras. Alguém envia um e-mail. Minutos depois, envia outro, só para perguntar se eu recebi o primeiro. Duas ou três horas depois, vem mais um -dessa vez, uma repetição do inicial, para o caso de eu não ter lido.
Essa comunicação unilateral termina com um quarto ou um quinto, em que sou acusado das maiores baixezas (indiferença, preguiça, hostilidade etc.).
Em poucas horas, alguém iniciou e terminou uma comunicação comigo sem que eu jamais estivesse presente para dizer "presente!". Que se passa com o mundo?
Os especialistas no assunto, psicólogos e sociólogos que pesquisam os paradoxos da internet, afirmam que estamos cada vez mais ligados e exigimos respostas cada vez mais rápidas uns dos outros. Certo, especialistas do óbvio, certíssimo.
A questão, porém, deve ser outra: que tipo de gente a internet está a produzir no século 21? 
Foi precisamente essa pergunta que o escritor Stephen Marche formulou em artigo para a revista "The Atlantic" ("Is Facebook Making Us Lonely?"). As conclusões não são otimistas: estamos todos ligados, mas essa sensação de contato permanente não significa que o nosso isolamento (e a nossa solidão) decresceu.
O Facebook é, inevitavelmente, um caso clássico: que significa esse imenso continente virtual onde "existem" 845 milhões de pessoas, onde se publicam bilhões de comentários diários e onde se postam 750 milhões de fotos por semana?
Stephen Marche não faz parte dos luditas modernos para quem o Facebook é a "bête noir" da civilização ocidental. A resposta dele, depois de ler os últimos estudos sobre o fenômeno, é de uma sensatez que arrepia: a internet é um meio, não um fim. O que somos como seres sociais depende da forma como usamos as redes sociais.
Que o mesmo é dizer: quem usa o Facebook para substituir a realidade não aumenta o seu "capital social". Pelo contrário, pode mesmo sentir o isolamento típico de um peixe que contempla o mundo através do vidro do aquário. Paralisante. Angustiante.
No artigo, o autor cita um neurocientista da Universidade de Chicago, John Cacioppo, que oferece uma metáfora ainda melhor: podemos usar o carro para ir ao encontro de amigos; ou podemos dirigir sozinhos pelas ruas da cidade. O mesmo carro, duas atitudes distintas.
A internet, e as redes sociais que ela comporta, é apenas um instrumento para, não um substituto de. O desafio, leitor, não está em quebrar o aquário. Está em sair dele de vez em quando. 
Sair. Desligar. Não estar disponível. Ou, como escreve Stephen Marche, "termos a oportunidade de nos esquecermos de nós próprios".
Eis, no fundo, a observação mais luminosa do ensaio: a nossa constante disponibilidade para os outros é apenas uma manifestação mais profunda do nosso insuportável narcisismo. E o narcisismo, como sempre, nasce de uma insegurança que procuramos preencher com o culto doentio do ego. 
Pensamos que somos tão imprescindíveis que temos de estar presentes 24 horas por dia na vida alheia. E vice-versa: pensamos que somos tão importantes que os outros têm de estar permanentemente disponíveis para nós.
Lamento, amigos. Lamento, colegas. Lamento, leitor. Os meus silêncios não têm nada de pessoal. Nem eu nem você somos assim tão importantes.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Populismo e miopia contra a criminalidade

Recentemente, a Câmara Municipal de Sorocaba, interior de São Paulo, aprovou o projeto de lei que prevê o fechamento de bares da região central e periferia do município às 23h. Para funcionar após este horário, os bares terão que cumprir uma série de regras, como exibir um laudo de isolamento acústico para música ao vivo, seguranças com autorização da polícia, além de diversas outras medidas que, aparentemente, não buscam regular, mas sim inviabilizar com que o bar se mantenha aberto após o horário determinado pela lei (http://g1.globo.com/sao-paulo/sorocaba-jundiai/noticia/2012/04/vereadores-aprovam-projeto-que-preve-fechamento-de-bares-23h.html). 
A justificativa apresentada pelo juiz da Vara da Infância e Juventude de Sorocaba é que menores irão frequentar menos os bares. De chofre, poderia dizer que é mais do mesmo: uma medida atentatória às liberdades individuais, que traz mais problemas do que soluções. Do ponto de vista do princípio, a pessoa comum, que vai a um bar com o objetivo de e relaxar e jogar conversa fora com amigos, terá que voltar cedo para casa, pois o recinto será fechado cedo, se considerarmos que para os padrões brasileiros 23h é bastante cedo. Assim, com o pretexto de proteger os cidadãos da criminalidade e de diminuir o acesso de menores a estes lugares, diminui-se consideravelmente as opções de lazer das pessoas que só querem relaxar. 
Pensando a partir da economia, a medida trará prejuízos evidentes: a dispensa de funcionários, dado que provavelmente um dos turnos de trabalho passará a não mais existir; além disso, o faturamento irá diminuir também, fato que, a médio prazo, poderá ocasionar o fechamento de alguns deles também. 
Essa medida tem em seu âmago o mesmo problema quando das propostas de tirar as torcidas dos estádios de futebol: prejudicam-se muitos na tentativa de combater um determinado mal causado por alguns poucos. Além do mais, imagine-se que tal lei não surta o efeito desejado; o que os vereadores, verdadeiras mentes iluminadas, vão propor então? Fechamento por completo de todos os bares? Toque de recolher para todos os moradores da cidade? Dar-se-ia uma sucessão de limitações das liberdades individuais.
Ah, mas o bar poderá ficar aberto após às 23h desde que se cumpra os inúmeros requisitos, poder-se-ia argumentar. Ora, repete-se aqui a velha ladainha da burocracia tupiniquim: "criam-se dificuldades para vender facilidades".
Embora a medida possa surtir efeito num primeiro momento, é importante atentar para os efeitos disso tudo, sobretudo a diminuição das liberdades individuais que isso acarreta.

A estatização da YPF

Adriano Pires



Causou surpresa e desânimo a notícia de que o governo argentino apresentou um projeto de lei para expropriar 51% das ações da petrolífera YPF, atualmente em poder da empresa espanhola Repsol. Essa atitude radical e extemporânea mostra que o governo argentino mais uma vez parte para a tradicional receita populista de atribuir a culpa de tudo de ruim que o país vive às empresas estrangeiras, com o objetivo de esconder da população local a sua incompetência em resolver as questões econômicas e sociais. Agora só falta promover a volta da Guerra das Malvinas.
A Argentina já tem uma das maiores e melhores reservas do mundo de hidrocarbonetos de xisto, tanto que a agência de energia dos EUA, a Energy Information Administration (EIA), classificou a Argentina na terceira posição global em termos de reservas de gás de xisto tecnicamente recuperáveis. Destaque para os Campos de Vaca Muerta e Loma la Lata.
No que se refere ao setor de petróleo argentino, é bom lembrar que foi exatamente este tipo de política populista que levou o país a se transformar em importador de petróleo e de gás natural. No momento em que as descobertas de grandes volumes de shale gas e de petróleo não convencional poderiam levar a Argentina a ser de novo um exportador de gás e de petróleo – sem contar a grande quantidade de empregos que poderia ser gerada -, o governo prefere as práticas populistas, em vez de estabelecer um marco regulatório eficiente.
O correto seria as empresas se comprometerem com o investimento e o governo federal, junto com as províncias, ficar responsável pela regulação e fiscalização. Este ano, governos de diversas províncias já tinham cassado algumas concessões da YPF, com o argumento de que a empresa não está investindo o suficiente para aumentar a produção. A Petrobrás, entre outras empresas que atuam no país, também tem sido pressionada pelo governo argentino a aumentar investimentos no país com o mesmo objetivo.
É importante frisar que as empresas petrolíferas reduziram seus investimentos na Argentina a partir da implantação do congelamento de preços de combustíveis, petróleo e gás natural. Esse fato revela que políticas populistas de preço que reduzem a remuneração das empresas levam ao desinvestimento e à diminuição do abastecimento.
É bom lembrar que o segundo maior acionista da YPF é o grupo privado argentino Petersen, que possui 25% do capital da empresa (a Repsol tem 57% e os 17% restantes são o free-float). A entrada do Grupo Petersen na empresa pode ser vista como uma primeira fase da nacionalização, uma vez que foi notória a pressão dos Kirchners para a concretização da venda. Ainda o grupo amigo dos Kirchners não está tendo suas ações desapropriadas. Por que só desapropriar a Repsol?
Esse aumento exponencial do risco regulatório na Argentina acaba por prejudicar os outros países latino-americanos, inclusive o Brasil. A leitura dos investidores poderá contaminar os países que vêm cumprindo os contratos assinados e mantendo uma estabilidade regulatória. Por isso, mais do que nunca, seria de extrema importância para o setor de petróleo brasileiro que se realizasse ainda em 2012 um novo leilão de blocos de petróleo e mesmo de shale gas, atraindo empresas que perderão a confiança no mercado argentino. A Colômbia vem realizando um grande trabalho nesse sentido, e o crescimento tanto da produção quanto das reservas de petróleo não deixa dúvidas sobre o sucesso da estratégia.
Neste momento sombrio da Argentina, é muito importante deixarmos claro que aqui, no Brasil, temos uma democracia consolidada, que respeita contratos com um marco regulatório estável, que tem por objetivo atrair investimentos e gerar um número cada vez maior de empregos. Porque só dessa maneira teremos um crescimento sustentável no País.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Narcisismo no "Face"

Luis Felipe Pondé


Cuidado! Quem tem muitos amigos no "Face" pode ter uma personalidade narcísica. Personalidade narcísica não é alguém que se ama muito, é alguém muito carente.

Faço parte do que o jornal britânico "The Guardian" chama de "social media sceptics" (céticos em relação às mídias sociais) em um artigo dedicado a pesquisas sobre o lado "sombrio" do Facebook (22/3/2012).
Ser um "social media sceptic" significa não crer nas maravilhas das mídias sociais. Elas não mudam o mundo. Aliás, nem acredito na "história", sou daqueles que suspeitam que a humanidade anda em círculos, somando avanços técnicos que respondem aos pavores míticos atávicos: morte, sofrimento, solidão, insegurança, fome, sexo. Fazemos o que podemos diante da opacidade do mundo e do tempo.
As mídias sociais potencializam o que no humano é repetitivo, banal e angustiante: nossa solidão e falta de afeto. Boas qualidades são raras e normalmente são tão tímidas quanto a exposição pública.
E, como dizia o poeta russo Joseph Brodsky (1940-96), falsos sentimentos são comuns nos seres humanos, e quando se tem um número grande deles juntos, a possibilidade de falsos sentimentos aflorarem cresce exponencialmente.
Em 1979, o historiador americano Christopher Lasch (1932-94) publicava seu best-seller acadêmico "A Cultura do Narcisismo", um livro essencial para pensarmos o comportamento no final de século 20. Ali, o autor identificava o traço narcísico de nossa era: carência, adolescência tardia, incapacidade de assumir a paternidade ou maternidade, pavor do envelhecimento, enfim, uma alma ridiculamente infantil num corpo de adulto.
Não estou aqui a menosprezar os medos humanos. Pelo contrário, o medo é meu irmão gêmeo. Estou a dizer que a cultura do narcisismo se fez hegemônica gerando personalidades que buscam o tempo todo ser amadas, reconhecidas, e que, portanto, são incapazes de ver o "outro", apenas exigindo do mundo um amor incondicional.
Segundo a pesquisa da Universidade de Western Illinois (EUA), discutida pelo periódico britânico, "um senso de merecimento de respeito, desejo de manipulação e de tirar vantagens dos outros" marca esses bebês grandes do mundo contemporâneo, que assumem que seus vômitos são significativos o bastante para serem postados no "Face".
A pesquisa envolveu 294 estudantes da universidade em questão, entre 18 e 65 anos, e seus hábitos no "Face". Além do senso de merecimento e desejo de manipulação mencionados acima, são traços "tóxicos" (como diz o artigo) da personalidade narcísica com muitos amigos no "Face" a obsessão com a autoimagem, amizades superficiais, respostas especialmente agressivas a supostas críticas feitas a ela, vidas guiadas por concepções altamente subjetivas de mundo, vaidade doentia, senso de superioridade moral e tendências exibicionistas grandiosas.
Pessoas com tais traços são mais dadas a buscar reconhecimento social do que a reconhecer os outros.
Segundo o periódico britânico, a assistente social Carol Craig, chefe do Centro para Confiança e Bem-estar (meu Deus, que nome horroroso...), disse que os jovens britânicos estão cada vez mais narcisistas e reconhece que há uma tendência da educação infantil hoje em dia, importada dos EUA para o Reino Unido (no Brasil, estamos na mesma...), a educar as crianças cada vez mais para a autoestima.
Cada vez mais plugados e cada vez mais solitários. Na sociedade contemporânea, a solidão é como uma epidemia fora de controle.
O Facebook é a plataforma ideal para autopromoção delirante e inflação do ego via aceitação de um número gigantesco de "amigos" irreais. O dr. Viv Vignoles, catedrático da Universidade de Sussex, no Reino Unido, afirma que, nos EUA, o narcisismo já era marca da juventude desde os anos 80, muito antes do "Face".
Portanto, a "culpa" não é dele. Ele é apenas uma ferramenta do narcisismo generalizado. Suspeito muito mais dos educadores que resolveram que a autoestima é a principal "matéria" da escola.
A educação não deve ser feita para aumentar nossa autoestima, mas para nos ajudar a enfrentar nossa atormentada humanidade.

Lei antibaixaria


O governador da Bahia, Jacques Wagner, sancionou na última quarta-feira, 11, uma lei cujo texto foi aprovado pela Assembleia Legislativa do estado no dia 27 de março deste ano  por esmagadores 43 votos a nove e que proíbe a atuação em eventos financiados com dinheiro do governo baiano de artistas cujas músicas ”desvalorizem, incentivem a violência ou exponham as mulheres à situação de constrangimento”. É a chamada Lei Antibaixaria, inventada pela deputada estadual Luiza Maia, do PT.
Tudo indica que a capital de um outro estado do Nordeste, o Ceará, vai pelo mesmo caminho. Tramita na Câmara Municipal de Fortaleza um projeto de lei semelhante ao aprovado e sancionado na Bahia, ou seja, proibindo o poder público municipal de utilizar recursos públicos “para contratação ou apoio a artistas que em suas músicas, danças ou coreografias desvalorizem, incentivem a violência ou exponham à situação de constrangimento as mulheres, os homossexuais ou os negros ou que incentivem qualquer forma de discriminação”.
Da Axé Music ao Axé Index
Na versão cearense do projeto de Lei Antibaixaria está previsto que a Coordenadoria Especial de Políticas para as Mulheres, a Coordenadoria da Igualdade Racial e a Coordenadoria da Diversidade Sexual “ficam autorizadas a elaborar anualmente um relatório com nomes de artistas” que em seu trabalho incorram no que os burocratas considerarem inapropriado.
Na prática, o texto do projeto de lei de Fortaleza autoriza três órgãos públicos a redigir, talvez com base no seu grau de tolerância com manifestações populares menos eruditas (quem garante que não?) uma lista negra de artistas que serão banidos de quaisquer eventos em que haja dinheiro público envolvido
Trata-se de uma espécie de “Axé Index”, ou será que os critérios utilizados pelos bispos católicos para elaborar a suas listas de livros proibidos de meados do século XVI a meados do século XX — critérios como “deficiência moral” e “sexualidade explícita” — não serão na prática os mesmos que os órgãos públicos vão utilizar na hora de o Estado decidir a música que não deve ser tocada a fim de evitar, digamos, a “corrupção” do povo?
‘Nega do cabelo duro’: proibida
Antes mesmo de seu projeto virar lei, a deputada Luiza Maia parece já ter conseguido “enquadrar” alguém com sua ideia. A autora da Lei Antibaixaria da Bahia é também primeira-dama do município de Camaçari, onde no ano passado o cantor Luiz Caldas, considerado um dos ícones da “Axé Music”, foi multado em 30% do seu cachê porque cantou a música “Fricote” (sim, aquela do refrão “nega do cabelo duro que não gosta de pentear…”) durante o 1º Festival de Blues e Jazz de Arembepe.
“É inaceitável. A letra abala a autoestima da mulher negra, internalizando no imaginário coletivo a imagem de que ela é, entre outras coisas, feia e desleixada, o que se constitui também como uma forma de violência”, justificou-se Luiza Maia, desancando sem dó nem piedade um dos maiores sucessos da música baiana nos anos 1980.
Comentário: Apesar da boa intenção que geralmente está no nascedouro deste tipo de lei, é mais uma medida que vai gerar mais problemas do que soluções. Como designar aquilo que é baixaria? Vai ser formada uma comissão de notáveis antibaixaria ou um tribunal mesmo?  Uma música que fale mal dos homens entraria nessa história também? E de crianças? E de idosos? Outras medidas virão por aí se a moda pegar; cada minoria defendendo o seu quinhão; daqui a pouco não se poderá falar de mais nada nas músicas. 
É a cultura burocrática brasileira: ao invés de tentar resolver isso de uma forma consensual, no seio da sociedade civil, apela-se mais uma vez para a criação de (mais uma) lei. E dá-lhe Estado na vida e na esfera de decisão das pessoas. Afinal, os políticos devem saber melhor o que as pessoas deveriam ouvir. 

domingo, 8 de abril de 2012

Crônica de uma queda anunciada

Este texto não é sobre política, mas passa por ela; não é sobre economia, mas tem um pouco dela. É sobre a queda do glorioso XV de Jaú, descenso mais que anunciado desde o início do campeonato. Embora não adiante chorar pelo leite derramado, esse leite é muito precioso e representativo para os torcedores que há muitos anos aguentam as agruras que o XV nos proporciona.
Se alguém lhe falar bem da história recente do XV - peguemos os últimos 20 anos, o que não é pouca coisa -, certamente estará mentindo ou enganado. Se bem me recordo, seu último momento de destaque foi no ano de 1996 quando jogou a primeira divisão do campeonato paulista. Lembro-me de ter ganhado de 2 a 0 do Santos FC, que contava com o talentoso Giovanni. Uma partida memorável. Depois disso, quedas para a segunda e terceira divisões. Ora subia, ora descia. Há algum tempo estava estagnado na terceira divisão. Agora não mais.
Os problemas que o XV enfrenta há muitos anos são típicos dos times interioranos. Isso é fato, contudo alguns times menores têm surpreendido pela capacidade de se manter, ainda que a duras penas, na primeira divisão. É o caso do Oeste de Itápolis e, mais recentemente, do Linense e da Catanduvense. Vejamos, são cidades comuns, não tem nada que as diferencia de outros municípios do interior paulista, têm suas economias baseadas em um ou dois produtos e têm prefeituras que apoiam o time, embora não seja possível colocar isso como fator preponderante para o sucesso de suas equipes. 
Quais seriam os motivos que levaram o XV a se manter na terceira divisão há tanto tempo e, pior, cair para a quarta? Do ponto de vista da política, existe um claro desinteresse do empresariado local em apoiar o time. Além dos problemas de falta de investimento, cria-se um vácuo para que qualquer pessoa assuma a direção do time, seja ele preparado ou não, capacitado ou não, bem intencionado ou não. Isso não significa que os últimos presidentes fossem necessariamente ruins, mas friso que esta situação de "vácuo de poder" a entrada de aventureiros de plantão. Afora isto, as últimas administrações municipais pouco fizeram pelo time. Não acho correto colocar dinheiro no time, uma vez que os impostos pagos pelos cidadãos não tem tal finalidade, porém poderia haver algumas parcerias e convênios que desonerassem algumas atividades extracampo que são custosas, como o transporte para os jogos, alimentação dos atletas, serviços burocráticos cotidianos. Enquanto algumas prefeituras veem nessa relação uma forma de prover um auxílio ao time, que reflete na própria cidade - e também dividendos políticos, já que os torcedores provavelmente lembrarão desta atitude na próxima campanha eleitoral - as últimas administrações públicas de nossa cidade preferiram não iniciar qualquer tipo de diálogo, demonstrando má vontade e desprezo pela história do clube.
Pensando a partir da economia, todo time vencedor necessita de uma gestão profissional. Isto significa pessoas formadas e capacitadas para atuar em seus devidos postos na parte administrativa do clube. Há que se reconhecer o empenho que na parte jurídica a atual administração foi exitosa, conseguindo fazer acordos judiciais para dirimir a quantidade ações e penhoras que visavam o patrimônio quinzeano. Contudo, nas outras áreas a dinâmica continua mesma de 20 anos: pessoas experientes e capazes em seus setores da atividade econômica, porém sem vivência no futebol; administradores voluntariosos, mas sem a devida qualificação e, principalmente, a nefasta mania de o presidente assumir as dívidas - quando as assume - em seu nome. Quando isso acontece - a mistura do "público" (clube) e do privado (patrimônio pessoal) -, eis aí o pior dos mundos. Se um político faz isso, dá-se o nome de patrimonialismo e perde-se em todos  os aspectos da administração: transparência, credibilidade, profissionalismo, etc. No caso do XV, patrimônio pessoal e do clube se confundem, de sorte que o mandatário se sente no direito de tomar de volta aquilo que investiu, ainda que não devesse. 
Por mais que digam e exaltem a coragem de que fulano teve ao assumir o XV de Jaú, um time afundado em dívidas, a junção do "vácuo no poder" e da administração personalista nunca trouxe alegrias aos torcedores, ao menos nunca ensejou períodos duradouros de sucesso; sempre foi algo mais próximo do "voo da galinha", apenas uma fase, algo passageiro.
De qualquer forma, para se repensar tudo o que tem acontecido no XV nos últimos 20 anos, é importante aprender com os times que alcançaram alguma estabilidade e tiveram boas fases nos últimos anos. Julgo um bom começo.

  

quinta-feira, 5 de abril de 2012

O politicamente correto versus a lei econômica: o caso das bonecas

Deu no jornal O Globo: "Conselho vai investigar caso de bonecas em feira" (http://oglobo.globo.com/rio/conselho-vai-investigar-caso-de-bonecas-em-feira-4488810). Parece piada, mas infelizmente não é. A notícia é sobre uma averiguação do Cedine (Conselho Estadual dos direitos dos negros) sobre um suposto ato discriminatório praticado por uma vendedora na feira hippie de Ipanema, por comercializar duas bonecas, uma negra e outra branca, com valores distintos. A branca é vendida por R$ 85,00 e a negra por R$ 65,00. Caso os componentes fiquem convencidos de que se trata de discriminação, poderão entrar com uma denúncia ao Ministério Público do RJ. 
Antes dos ilustres componentes de tal conselho fazerem isso, deveriam aprender algumas leis básicas da economia. Não que eu possa ensiná-los, mas sei alguma coisinha. A principal delas é a conhecida lei da oferta e da procura, esta que qualquer comerciante conhece, por mais iletrado, humilde ou novato que seja no ramo. Logo, se uma das bonecas tem mais saída - e poderia ser qualquer uma -, a tendência é seu preço seja maior, já que isso é bom para o comerciante. Aquela que vende menos geralmente tem o preço menor, justamente para que os comerciantes sejam estimulados a comprá-la. 
Feita esta breve e elementar explicação, onde estariam os indícios de racismo ou ato discriminatório? Somente e tão somente na CABEÇA dos conselheiros, militantes da causa que enxergam em tudo um motivo para levantar sua bandeira. Um agravante: como atuam através de um Conselho Estadual, é provável que façam suas besteiras por aí valendo-se do erário público.  
Se isso não bastasse, a fala de um deles reproduzida pelo jornal ("E vamos, primeiramente, convencer a pessoa a tratar com isonomia, com igualdade (brancas e negras") revela um traço autoritário, típico de grupos que almejam mudar a realidade através de leis. No caso, querem que algumas leis econômicas - provavelmente discriminatórias, irão dizer -, sejam revogadas em favor do discurso politicamente correto nonsense. 
Os consumidores das bonecas fazem suas escolhas baseadas em seus interesses e vontades e isso, apenas isso, informa ao produtor/comerciante o valor de cada mercadoria. Logo, não se trata de preconceito, e sim de um reflexo da opção dos consumidores, baseado em uma lei econômica. Só espero que os conselheiros não queiram ir atrás dos consumidores que, aparentemente, tem dado preferência às bonecas brancas, e passem a ameaçá-los com um processo por discriminação. 

Dois séculos de arbítrio


Rodrigo Constantino


Enquanto o Brasil já teve diversas Constituições com inúmeras emendas, os Estados Unidos continuam com a mesma Constituição escrita pelos “pais fundadores”, com menos de 30 emendas em dois séculos. Há algo de muito errado com a forma pela qual tratamos este fundamental documento.

No livro A história das Constituições brasileiras, o historiador Marco Antonio Villa disseca os maiores absurdos das várias Constituições que tivemos. Na sua apresentação, a síntese é perfeita: “Não é exagero afirmar que os últimos 200 anos da nossa história têm como ponto central a luta do cidadão contra o Estado arbitrário. E, na maioria das vezes, o Estado ganhou de goleada”.

Somos mesmo um país sui generis, que não pode ser levado muito a sério. Infelizmente, desprezamos com vontade os mais básicos valores republicanos. Ao colocarmos em textos constitucionais verdadeiras aberrações (veremos alguns exemplos adiante), acabamos por estimular uma cultura de desrespeito às regras básicas. Uma enxurrada de leis inconstitucionais é aprovada, apenas para não pegar, ou então para jogar em descrédito a própria Constituição.

A coisa começou muito mal em nosso país. Nossa primeira Constituição foi monárquica, de 1824, e não distinguia recursos familiares daqueles oriundos do Erário nacional. Um dos artigos diz: “Os palácios e terrenos nacionais, possuídos atualmente pelo senhor D. Pedro I, ficarão sempre pertencendo aos seus sucessores; e a nação cuidará nas aquisições e construções que julgar convenientes para a decência e o recreio do imperador e sua família”. Eis que tinha início a prática do patrimonialismo, com o respaldo constitucional.

Outras Constituições vieram em 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988. Mas as idiossincrasias brasileiras deixariam sua marca registrada em todas. O viés autoritário foi maior algumas, mas esteve presente em todas elas. 

Em 1930, por exemplo, um decreto não deixava margem à dúvida. O governo exerceria “discricionariamente em toda a sua plenitude as funções e atribuições não só do poder Executivo, como também do poder Legislativo”. Por decreto, seis ministros do Supremo Tribunal Federal foram aposentados. Os governos estaduais foram assumidos por interventores que respondiam ao poder central. Não havia limites constitucionais ao poder do estado.

Conforme aponta o autor, foi na Constituição de 1934 que se inaugurou a “minúcia e o pormenor”, ou seja, a “indistinção entre a legislação ordinária e a constitucional”. A quantidade de artigos mais que dobrou em relação a Constituição anterior. Um dos artigos falava sobre as multas de mora, a defesa contra os efeitos das secas nos estados do Norte mereceu outro artigo, e até o vestibular foi constitucionalizado. 

Além disso, fruto dos tempos, o conceito de segurança nacional ganhou enorme destaque, deixando espaço bem menor para os direitos e garantias individuais. O modelo de inspiração passava a ser o europeu, sob regimes totalitários. Até mesmo a “melhoria da raça” foi preocupação dos constituintes, que delegaram ao governo a tarefa de “estimular a educação eugênica”. Os liberais nunca estiveram tão menosprezados como nesta época.

Um trecho do livro merece ser citado na íntegra, pois ele retrata a triste realidade de nosso país: “O palácio é vizinho do campo do Fluminense, nas Laranjeiras. Enquanto o ditador lia monocordicamente o discurso – Vargas nunca foi um bom orador –, ao fundo era possível ouvir os brados dos torcedores saudando os gols do Fluminense. Em meio aos gritos de gols, Vargas dissertava enfadonhamente sobre as benesses da ditadura e da supressão das liberdades democráticas”. Há tempos que o povo brasileiro parece não se importar muito com as perdas das liberdades, desde que tenha um jogo emocionante de futebol para assistir!

O culto ao poder central, outra mancha recorrente em nossa história, mostrou-se forte como nunca. Bandeiras e hinos estaduais foram proibidos, e assim permaneceram por oito anos. Foi nesta Constituição que inúmeras “conquistas” trabalhistas foram impostas também. Somente o sindicato regularmente reconhecido pelo estado teria o direito de representação legal dos que participavam da categoria. O “pai dos pobres” criava a máfia sindical que perdura até os dias de hoje.

Na Constituição de 1946, o lobby dos jornalistas conseguiu incluir em um artigo este fantástico privilégio: “Durante o prazo de quinze anos, a contar da instalação da Assembléia Constituinte, o imóvel adquirido, para sua residência, por jornalistas que outro não possua, será isento do imposto de transmissão e, enquanto servir ao fim previsto neste artigo, do respectivo imposto predial”. Parece piada, mas como dizia o recém-falecido Millôr, o Brasil é o país da piada pronta!

A Constituição seguinte foi criada pelo regime militar, onde o arbítrio foi enorme com a justificativa – em parte verdadeira – de que ele era necessário para combater a ameaça comunista. Aliás, as tentativas recorrentes de grupos comunistas instaurarem no Brasil um modelo nos moldes soviéticos serviu várias vezes como motivo ou pretexto para avanços do estado sobre nossas liberdades. Eis um enorme custo que esta ideologia nefasta deixou para o país, mesmo que os revolucionários não tenham chegado ao poder pela luta armada.

Por fim, chegamos na “Constituição Cidadã”, liderada por Ulysses Guimarães na fase da redemocratização. Trata-se da mais longa das Constituições, com 250 artigos e mais 70 nas disposições transitórias. Ela já recebeu 67 emendas, uma média de 3 por ano de vida. Sua abrangência é espantosa. Como afirma Villa: “É difícil encontrar algo da vida social que a Constituição não tenha tentado normatizar”. 

A “Constituição Besteirol”, como a apelidou o saudoso Roberto Campos, representa a melhor ilustração da típica crença nacional de que é possível resolver todos os males que assolam o país com base em leis. Talvez se ela fosse promulgada um ano depois, após a queda do Muro de Berlim, as coisas pudessem ser um pouco diferentes. Mas o fato é que o texto denota claro ranço ideológico em prol do socialismo light ou da social-democracia, além de boas pitadas nacionalistas. A Carta mais parece um programa político-econômico, quando determina, por exemplo, a “busca do pleno emprego” como objetivo, ou quando limita as taxas de juros reais em 12% ao ano. 

Fora isso, há trechos esquizofrênicos também, como a garantia da propriedade privada ao lado da afirmação de que a propriedade atenderá a sua função social (sabe-se lá o que é isso e quem define), ou então a igualdade de todos perante as leis, e em seguida os privilégios de classes e etnias. E, para ridicularizar de vez o documento, o Colégio Pedro II mereceu menção especial, com garantia de que seria mantido na órbita federal. De fato, como pensar em ter uma Constituição que não legisla sobre um colégio?!

Um último capítulo do livro é dedicado ao Supremo Tribunal Federal, supostamente o guardião da Constituição do país. O que Marco Antonio Villa argumenta, entretanto, é que esta crucial instituição republicana tem falhado sistematicamente em sua função precípua, adotando postura subserviente ao poder Executivo com incrível freqüência. Não custa lembrar que o escândalo do “mensalão” ainda não foi julgado, enquanto alguns crimes já começam a prescrever. Este é apenas um exemplo entre vários. Outro exemplo foi o confisco do Plano Collor, que não poderia ser considerado constitucional de forma alguma.

Em resumo, o Brasil é mesmo um país complicado, com pouco apreço pelo império das leis. Mais parece uma República das Bananas, cuja Carta Magna trata de infindáveis aspectos insignificantes para uma Constituição, além de preservar incrível dose de arbítrio ao poder Executivo. Nossas Constituições, em outras palavras, acabam refletindo a cultura do povo, esta crença ingênua no estado forte e messiânico, que tudo pode e nada teme.