quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O mensalão e a "pressão da mídia"


Eugenio Bucci
Com o início do julgamento do processo do mensalão, no supremo tribunal federal (STF), muita gente voltou a falar em “pressão da mídia”. Muita gente mesmo. Políticos, magistrados, jornalistas, advogados e cidadãos a granel apontam o dedo contra a tal “pressão da mídia”, quase sempre em tom de reprovação. A”mídia”, afirmam eles, estaria prejulgando os acusados e afrontando os ministros do STF com uma cobrança indevida e monstruosa. Já houve até quem comparasse essa “pressão” com uma “faca no pescoço”, como se os jornais, as revistas e as emissoras de rádio e televisão assumissem a forma de uma guilhotina colossal ameaçando nucas desprotegidas.
Por favor. Se pode haver exageros e ataques pessoais inaceitáveis em algumas reportagens, há muito mais despropósito nesse discurso sobre a “pressão da mídia”. Pense bem, você, leitor: o que eles querem dizer com isso? Estará em curso uma campanha dos meios de comunicação para condenar à execração pública todos os réus, sejam eles culpados ou inocentes?
Para responder a essas perguntas, comecemos com um esclarecimento de ordem semântica: “mídia” não é sinônimo de imprensa. O embaralhamento entre as noções de “mídia” e imprensa é traiçoeiro, perigoso. Estabelece um sinal de igual entre jornalismo, programas de auditório, novelas e publicidade, além de sugerir que tudo o que o jornalismo faz é propaganda ideológica. Nada mais falso.
“Mídia” é uma palavra esquisita. Veio para nosso idioma pela transcrição da pronúncia inglesa do termo latino media, que é o plural de medium (meio). Media significa meios ou, em nosso caso, meios de comunicação: rádio, televisão, internet, veículos impressos e muito mais. Dentro de cada um desses meios, os gêneros de programas são incontáveis. Há os humorísticos, as novelas, as missas, os cultos animados por telepregadores, aos borbotões bíblicos, além de transmissão de jogos de futebol. Há de tudo e mais um pouco. Nada disso, porém, é jornalismo. Aliás, quando o jornalismo se deixa confundir com o entretenimento ou com a publicidade, ele se barateia, perde substância e deixa de informar com precisão.Agora pense bem, você, leitor. Você é criança? Você não tem discernimento próprio? Você é um cordeirinho nas mãos da máquina da “mídia”? E mais: será que você não tem direito de conhecer a fundo o processo do mensalão, que, por todos os motivos, já é um processo judicial histórico? Eu e você sabemos que muitas vezes jornalistas se prestam a papéis indignos, mas não podemos qualificar de indigna a cobertura geral do mensalão. Ao contrário: apesar de seus excessos, essa cobertura contribui para que conheçamos melhor os fatos e os argumentos de cada um. Todos sabemos também que à imprensa não cabe julgar. O que ela deve fazer é contar o que se passa. Se ela não cumprir esse dever, de forma crítica, independente e plural, a sociedade não terá como acompanhar a evolução do processo e não terá como fiscalizar e avaliar a decisão de cada um dos magistrados.Ora, quem se ocupa da cobertura do julgamento do mensalão não é a “mídia”, mas os jornalistas, que trabalham para os mais diversos veículos, com as mais diversas orientações editoriais. Quem vê nessa cobertura uma campanha da “mídia” acusa as empresas de “mídia” de articular uma conspiração “midiática”, dentro da qual os repórteres não passariam de serviçais dos interesses dos patrões, que são contra o governo. Logo, imprensa é igual a propaganda e, em vez de informar, promove uma lavagem cerebral na nação, ela também inocente e desprotegida, como uma criança, como o pescoço em flor dos ministros do supremo.
Não, não há “pressão da mídia”. Existe, sim, a exaltação de ânimos diferentes na opinião pública, e essa exaltação se reflete na imprensa. Existe a mobilização de setores da sociedade civil, para um lado e para outro, é bom lembrar, ora a favor dos réus, ora contra eles, em manifestações legítimas. Quanto à imprensa, ela vem informando e debatendo, sob enfoques diferentes, dependendo de cada órgão jornalístico, numa diversidade que está aumentando no Brasil.
Quanto mais informação houver, mais chance teremos de que esse julgamento seja justo. A imprensa erra, é verdade, mas os erros que ela comete vão sendo contestados por outras vozes, num ambiente plural, como deve ser, em que a opinião pública polemiza livremente. A liberdade de imprensa vai equilibrando a liberdade de imprensa. Naturalmente. Os jornalistas, bem ou mal, estão cumprindo seu dever. Que os ministros do Supremo façam o mesmo – e isso aqui não é pressão contra ninguém.

domingo, 5 de agosto de 2012

Os amigos e os inimigos do Rei


No curto prazo, deve ser bom ter a “amizade” do rei, do chefe, do patrão ou do mais forte, ainda que injustiças sejam cometidas. Todavia, a história nos mostra que, no longo prazo, o que era bom se torna ruim, uma vez que a cumplicidade de outrora cobra seu preço. No caso brasileiro, o rei é, desde sempre, o governo, independente do partido político que esteja no poder. 
         A todo tempo, lemos notícias dando conta de pressões e chantagens políticas e financeiras que burocratas do governo – geralmente o ministra da fazenda -, fazem a grupos de empresários para que façam ou deixem de praticar algo que desagrade ou traga algum ônus político ao governante de plantão. Se se tratar de ano eleitoral, a chantagem – para não dizer extorsão – é explícita, a depender das necessidades que o cálculo político impõe.
         E, não por acaso, por estarmos vivendo um período eleitoral, as práticas citadas acima avultam no cenário político. A última chantagem foi feita pelo atual ministro da fazenda, Guido Mantega, aquele que se denominou de “levantador de PIB”, em entrevista recente. Sem se dirigir especificamente a qualquer uma das montadoras de veículos, a referida “autoridade” disse, por meio de sua assessoria, que não iria “tolerar” o descumprimento dos acordos de não demissão nos setores beneficiados por redução do IPI, entre eles o automotivo e o de linha branca (máquinas de lavar, geladeiras e fogões).
         Além das eleições, a fala do ministro reflete o receio das consequências da crise econômica mundial em terras tupiniquins – ainda que se fale em “marolinhas”. Vale dizer que, apesar de a chantagem feita, por si só, ser algo deletério, a estratégia adotada, de aumento do consumo mediante a redução das taxas de juros e de impostos, segundo alguns dos mais importantes economistas, está equivocada, já que a renda dos trabalhadores brasileiros se encontra bastante comprometida, situação que acarreta num maior endividamento da população, crescendo a taxa de inadimplência que, por sua vez, faz com que os bancos cobrem mais pelo empréstimo de capital, o que significa o retorno de juros mais altos.
         Se, de um lado, temos um governo que sempre buscou intervir na economia brasileira – e os últimos anos têm inúmeros exemplos -, do outro, o empresariado, de forma geral, mostra-se suscetível a acordos, ainda que isso custe a sua liberdade no longo prazo, como se vê agora, já que a decisão de se demitir alguém, deveria ser, exclusivamente, da empresa, sem que o governo opinasse ou pressionasse. Entretanto, como este, via de regra, empresta dinheiro público (BNDES), para a expansão e a produção de certos setores, estes, outrora aliados, veem-se relativamente aprisionados aos (des)propósitos governamentais. O problema está justamente nessa união espúria: o mercado, para que funcione corretamente ou da melhor forma possível, isto é, de forma justa e competitiva, de sorte a premiar os mais eficientes, para que venha a fornecer produtos melhores e mais baratos aos consumidores, não pode sofrer interferências de entes alheios ao cálculo econômico.    
         Está cabalmente demonstrado que um governo cada vez mais ativo na economia produtiva só é capaz de trazer problemas a longo prazo, conquanto privilegie alguns setores com impostos menores. Por ser governo e se manter pela arrecadação de tributos, se ele diminui de um lado, compensa com o aumento em outros setores, o que causa desequilíbrios. Pelo lado dos produtores, estes deveriam observar que quando fazem alianças e acordos com o governo – ainda que premidos pelos impostos -, perdem a liberdade para estabelecer as condições em que criam mercadorias, aspecto essencial para que se possa produzir da forma mais eficiente possível. Por último – e sempre por último -, os consumidores. Ora, se as empresas que fazem os acordos são os amigos do Rei, os consumidores são seus inimigos.