sábado, 31 de março de 2012

Paternalismo: a gente vê por aqui!

           Saiu no Estadão online uma notícia sobre o fechamento de um bar por conta da lei antifumo; ou melhor, por conta do descumprimento desta lei (http://www.estadao.com.br/noticias/geral,cervejaria-de-sp-descumpre-lei-antifumo-e-e-interditada,855574,0.htm). Por ser reincidente na infração, o bar ficará 30 dias fechado. Pergunto: para quê? Para aprender a lição que os burocratas de plantão, pelo bem de todos - sempre! -, querem passar? Para proteger a população dos males do cigarro? Não há outra coisa senão dizer que é mais um exemplo de paternalismo que vige em nossa sociedade. Ora, como se os fumantes não soubesse dos malefícios do cigarro. E os fumantes passivos, as eternas vítimas dos primeiros? Se sabem que os frequentadores daquele bar fumam, por qual motivo ainda vão lá? No mínimo, deve ser porque não se importam com a fumaça e com possíveis consequências que isso pode lhes causar. 
            Além disso tudo, e os funcionários do bar? Será que preferem continuar a trabalhar no lugar ou ficar sem receber o salário do mês? Se bobear, podem até perder o emprego, já que os 30 dias de suspensão trarão um enorme prejuízo às contas do estabelecimento. Parabéns, senhores burocratas, sob o pretexto de defender o bem comum, fazem mal aos indivíduos que escolheram fumar, inalar a fumaça alheia ou trabalhar no lugar, apesar da fumaça desagradável.               
       E argumentar que em capitais de países desenvolvidos também existe esta lei é insuficiente, já que não significa nada. Tanto lá como cá é uma forma de minimizar a esfera de escolha das pessoas. Só muda o lugar mesmo. 
            Não gosto de cigarro, não gosto de ficar perto da fumaça do cigarro, mas não posso impedir que alguém fume, se o sujeito assim quis.  

segunda-feira, 26 de março de 2012

A conivência dos clubes com a violência

        As notícias sobre mais um assassinato de um torcedor traz à baila algumas questões sobre o fracasso da segurança pública quando da realização de grandes eventos nas capitais pelo país afora. O fracasso é retumbante e isso não há como negar. Ficou mais do que explícito com a confissão de um policial militar ao dizer que a polícia ficou assistindo ao conflito, já que não havia o que fazer. Problemas na (des)inteligência da PM? Sem dúvida, mas não apenas isso. Talvez a dificuldade maior esteja nas respostas apresentadas até agora. Em regra, o que se faz quando ocorre uma morte de torcedor por conta de brigas entre torcidas? Impede-se que elas entrem no estádio com as camisas que as identificam, como se disso fosse surtir algum efeito.
         Mas ao invés de criticar a inoperância da Polícia Militar e a inação do Ministério Público e da Justiça de uma forma geral, é interessante abordar este tipo de violência a partir dos clubes de futebol. E por qual motivo analisar este problema por tal perspectiva? Primeiramente, porque os clubes são afetados por tudo isto; em segundo lugar, porque deveriam fazer algo para minorar tal situação, já que muitos têm condições para isso; em terceiro, porque vivem – financeiramente falando – do futebol e as brigas arranham sobremaneira a imagem desse esporte, respingando nos cofres das agremiações.
         O que é um clube de futebol? É uma instituição privada como outra qualquer, é uma empresa que tem funcionários, investe capital, produz mercadorias valiosíssimas, gera renda, movimenta a economia e tudo isso porque tem clientes fieis. Quem seriam esses? Por óbvio, seus torcedores, que frequentam ou não os estádios. Partindo disto, qual é o posicionamento dos clubes diante da violência causada por seus sócios? Em regra, nenhuma. No máximo, algum dirigente do segundo escalão solta uma nota de repúdio ao fato, lamentando a situação e pedindo providências de forma genérica às autoridades públicas. Embora não seja suficiente, porque têm consciência de que isso não resolverá coisa alguma, é o máximo a que se dispõe fazer. Na Inglaterra, alguns clubes olham o problema de outra perspectiva. Partem da ideia de que, uma vez empresa privada e que precisam se preocupar com a imagem que passam aos seus sócios e clientes – além da questão da segurança em si –, devem tomar uma atitude séria e rigorosa, de sorte a impedir a entrada de seu torcedor violento por um longo período de tempo em seu estádio. O último exemplo é da semana passada, quando um time inglês proibiu seu torcedor de frequentar seus jogos por dez anos, em razão de ter levado determinada bandeira para provocar perigosamente a torcida adversária. Pode-se perguntar se um clube de futebol teria direito para fazer isso. A resposta é simples: sim, já que é uma instituição privada. Além disso, alguém poderia questionar se, em última instância, não seria menos lucrativo, já que afastaria um ou vários clientes. Em um curto espaço de tempo pode até ser, mas no longo prazo os efeitos de tal ação, como mais segurança à maioria absoluta dos torcedores, tende a aumentar o número de sócios e clientes, trazendo um faturamento maior.

         Infelizmente, por aqui não temos dirigentes com esta visão. Antes de soltar bravatas aos quatro ventos pedindo um basta à violência, dizendo que o futebol é do povo e que faz parte da cultura nacional, é preciso que olhem para o produto futebol e o quanto ele está sendo desvalorizado nos últimos anos por conta da violência das torcidas. Se deixarem nas mãos da Polícia Militar e do Ministério Público, como se tem visto nos últimos 20 anos, as decisões tomadas são e serão equivocadas e arbitrárias. E assim são porque, ao invés de identificar o torcedor que promove a bagunça, a violência, o MP resolve excluir toda uma coletividade (a torcida uniformizada), afligindo os direitos individuais e liberdades públicas daqueles que não deram causa ao ato violento, como a liberdade de associação, a liberdade de ir e vir da forma como quiser, desde que não prejudique outrem e de se divertir e se emocionar com seu clube do coração. Trata-se de uma medida populista perversa e ineficiente, como forma de tentar acobertar a ignorância e a incúria dos órgãos públicos e a inação dos coniventes clubes.

sábado, 24 de março de 2012

VEDUCA!

Para quem ainda não conhece, o site VEDUCA (www.veduca.com.br) é uma ótima iniciativa para espalhar o conhecimento científico pela internet. O site reúne inúmeros cursos das mais variadas áreas e de muitas das melhores universidades do mundo. Tudo de graça! O único porém é que boa parte dos vídeos não tem legenda, o que demanda uma compreensão razoável de inglês. De qualquer forma, a ideia é genial. 

domingo, 18 de março de 2012

Cidades insustentáveis

Rodrigo Constantino

          A reportagem de capa do jornal O GLOBO neste domingo mostra que mais de 80% das cidades do país não se sustentam. O estudo, feito pela Firjan, aponta que nada menos que 4.372 prefeituras do país dependem de repasses federais e estaduais para sobreviver. Diz Guilherme Mercês, gerente de Estudos Econômicos da Firjan: "Se fossem uma empresa, seriam como uma filial falida da matriz".
        
         Sou ferrenho defensor do princípio de subsidiariedade. Ou seja, tudo aquilo que pode ser feito pelo indivíduo e sua família, assim deve ser feito. O que não for possível, deve ser feito pelo bairro. Em seguida, pelo município. Depois, pelo estado. E somente aquelas coisas impossíveis de serem realizadas por tais esferas é que ficaria sob o controle federal.

         Como o professor Og Leme, do Instituto Liberal, escreveu: "O próprio princípio da subsidiariedade, levado às suas últimas consequências, justificaria também à atribuição aos municípios, em caráter exclusivo, do poder de tributar. Se de fato os estados federados têm razão de existir - e penso que têm devido a economias de escala e benefícios decorrentes da coordenação - eles poderiam auferir renda pela venda de serviços aos municípios de sua jurisdição."

         O que vemos no Brasil, naturalmente, é o extremo oposto. A União arrecada o grosso dos impostos, e depois concentra o poder de distribuir entre estados e municípios. Segundo a própria reportagem, de 60% a 65% de toda a receita arrecadada no Brasil hoje são da União. Algo entre 20% e 25% pertence aos estados, e apenas de 17% a 19% fica com os municípios. Com esta pirâmide toda invertida, do ponto de vista da subsidiariedade, todos são reféns do governo federal. E vários municípios que jamais deveriam existir, pois não possuem a menor condição de se bancar por conta própria, acabam criados para viver de transferências da União.

         Em alguns casos, mais de 70% da receita desses municípios vai para o pagamento de pessoal. E como a grande maioria dos municípios com pior gestão fiscal está no nordeste, eis o que isso significa na prática: os impostos do sul e sudeste servem para sustentar funcionários públicos de municípios totalmente falidos no nordeste. A situação absurda se perpetua porque o poder dos coronéis nordestinos é desproporcional, uma vez que para eleger deputados e senadores, que desfrutam do mesmo poder, basta uma fração dos votos necessários para eleger deputados e senadores no sul e sudeste. E ainda querem criar mais estados no norte e nordeste!

         É esse o modelo de nossa República Federativa do Brasil! Ou seja, de federalismo mesmo não tem nada! Até quando vamos suportar esta situação? Os liberais pregam a descentralização do poder, e é legítimo delegar aos municípios muito mais em termos relativos ao que se faz hoje, até para esvaziar bastante o gigantesco poder concentrado em Brasília. Mas para tanto é preciso que cada município possa se sustentar por conta própria, sem mesada da União. Talvez o voto distrital seja o caminho para seguirmos nesta direção. Neste caso sim, podemos afirmar sem muito medo de errar: Pior que está, não fica!

quinta-feira, 15 de março de 2012

Desigualdade cotidiana

      Um sujeito faz o seu pedido e vai esperá-lo em uma das mesas da praça de alimentação do shopping. Passados alguns minutos – muitos, na verdade, já que o letreiro do local dizia “express” –, ele vai pegar sua refeição. Terminado o almoço, levanta-se da cadeira e vai dar uma volta para ver as promoções e depois vai embora. É uma cena comum nos shoppings. O que teria demais nessa breve narrativa? Muita coisa, na verdade. A principal delas é o fato de se levantar da mesa e ir embora, deixando a bandeja com o prato e o resto na mesa, sem levá-la até o lugar adequado. O que isso significa? Não é normal ou apropriado? Pode até ser, mas denota um dos traços da mentalidade coletiva brasileira. Em poucas palavras, refiro-me à desigualdade formal. Não a social, das diferentes classes econômicas ou da luta de classes para alguns. Falo especificamente da desigualdade jurídica ou formal, isto é, a noção de que uns são mais iguais que outros, o oposto do que dispõe o artigo 5° da Constituição Brasileira.
         Longe de fazer uma crítica individual àqueles que se identificaram com a situação relatada – até porque quem escreve este texto já fez e reproduz tal atitude –, a ideia aqui é pensar os motivos que nos levam a naturalizar esta atitude, como se fosse algo absolutamente inquestionável. A questão a ser colocada é: embora existam lugares para que os próprios consumidores coloquem as bandejas e despejem os restos, por que isso não é feito ou feito por poucas pessoas? Preguiça? Comodismo? Até pode ser, mas existe um aspecto de fundo que gostaria de ressaltar. Trata-se, como dito no parágrafo anterior, da desigualdade formal que vivemos diariamente. É como se, inconscientemente, disséssemos para nós mesmos que, por sermos consumidores que pagam pela refeição, não tivéssemos que nos sujeitar à (vil) situação de ter que levar a própria bandeja até o lugar adequado. Dá-se, então, uma cisão: de um lado, os consumidores que pagam pelo almoço ou jantar; de outro, os empregados da limpeza que devem, servilmente, recolher os restos deixados pelos primeiros. Por que será que é assim? Por que nos parece tão natural?
         Recorrer à história brasileira pode ajudar a pensar as questões, nada mais que especulações, na verdade. Se pensarmos no período colonial brasileiro, na escravidão que perdurou por séculos, na cultura da malandragem, nas relações escusas que pessoas de poder estabelecem com agentes do Estado, o ponto em comum de tudo isso é a ideia de que nem todos são iguais, já que alguns acreditam ter mais direitos que os outros. Determinado imperador e seus séquitos têm mais prerrogativas que o resto da população; o dono de escravo faz o que bem entender com o escravo, logo tem mais direitos; o malandro, ao invés de atuar com lisura, busca o ardil para conseguir algo que moralmente não conseguiria. Ora, todas essas situações, feitas as devidas adaptações, representam a desigualdade jurídica que impera em nossas relações sociais. Não se trata de ser algo ilegal; deixar o prato de comida na mesa para que outro venha recolhê-lo não é crime, porém pode denotar esse traço cultural brasileiro: a incapacidade de ser ver como mais um, como alguém que tem os mesmos direitos e deveres daqueles que se encontram em uma posição inferior, ainda que momentaneamente. E isso se reflete em outros âmbitos da cotidianidade, como no trânsito, na escola e em outros espaços públicos.
         Por não ter o peso do passado absolutista e nem qualquer tipo de ranço de períodos imperiais, a cultura norte-americana deu vários exemplos de respeito à igualdade jurídica. Seria risível acreditar que não existam situações iguais ao que acontece por aqui, mas lá é possível encontrar inúmeros mecanismos e sinais de respeito à igualdade. Historicamente, Alexis de Tocqueville, político francês, em um estudo seminal sobre os norte-americanos, revela o apego daquele povo pela ideia de igualdade. Demonstra ainda o prazer pela praticidade em contraposição às formalidades que regiam as nações europeias do século XIX. Isso significa que o norte-americano, vendo-se como igual aos outros, em tese não se importaria de retirar sua própria bandeja após fazer a refeição, já que não haveria necessidade de que alguém fizesse isso por ele. Sem buscar estabelecer comparações, pois seriam precipitadas e injustas, pensar a (des)igualdade jurídica, especialmente nas relações sociais mais básicas, é um passo importante para se pensar a igualdade formal.

Tome a saideira, antes que o governo proíba

André Barcinski

Saiu hoje no Caderno “Comida”, da “Folha de S. Paulo”, uma coluna que fiz sobre o projeto de lei do deputado Campos Machado (PTB) que proíbe, em todo o Estado de São Paulo, a venda e consumo de álcool em ambientes públicos como calçadas, praias, festas e feiras.
O objetivo do projeto, segundo o próprio site do deputado, é reduzir acidentes de trânsito causados por motoristas embriagados.
O delírio de Campos Machado é mais um exemplo de hipocrisia do poder público, que não consegue resolver questões básicas e pune todos os cidadãos por isso.
Beber não é proibido. Proibido é beber e dirigir, certo?
Então por que Campos Machado e seus apoiadores querem punir todo mundo que bebe?
Simples: porque é mais fácil inventar uma lei dessas e jogar todos os paulistas na ilegalidade do que fiscalizar motoristas bêbados e punir com rapidez qualquer um que seja pego bêbado ao volante.
O que mata, nas estradas brasileiras, é a impunidade, não o fato de os cidadãos tomarem cerveja na calçada ou dentro de suas casas.
Não adianta proibir álcool se a fiscalização continuar deficiente e a polícia, corrupta.
O site do deputado lista uma “relação provisória de apoiadores” do projeto, que inclui o vice-presidente da República, Michel Temer, os senadores Aloyisio Nunes Ferreira (PSDB), Álvaro Dias (PSDB), Fernando Collor (PTB) e Paulo Paim (PT), entre outros.
Até aí, nada de anormal. Já desisti de esperar bom senso de políticos.
O que me chocou mesmo foi ver o nome de Luiz Flávio Borges D’Urso, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional São Paulo, entre os apoiadores do projeto.
Como pode a OAB apoiar uma lei que restringe direitos dos cidadãos?
Cada vez mais, São Paulo caminha para a militarização e o patrulhamento. Ambulantes de rua são expulsos, viciados são jogados para escanteio, etc.
Quero ver essa cidade, que já não tem praia, não tem parque, não tem verde e não tem socialização, sobreviver sem a cervejinha na calçada. Seria o fim dos tempos.

sábado, 10 de março de 2012

Heróis e anti-heróis

        A história brasileira é permeada por heróis e anti-heróis de ocasião. Um político bem intencionado, um juiz intransigente, um apresentador de TV que vive a bradar palavras de ordem, estes costumam ser as figuras elevadas ao Olimpo tupiniquim. Nada contra o surgimento destes sujeitos de tempos em tempos, o problema é criar esperanças infundadas de que vão melhorar o país, forjar novas consciências e atitudes na coletividade. Mas isso não é exclusividade do Brasil e nem da contemporaneidade. O passado está repleto de exemplos de reis, imperadores, líderes messiânicos, políticos, enfim, pessoas que tomaram para si as rédeas da história e deixaram um legado (bom ou mau) aos seus sucessores. Em alguns países e em algumas situações a ascensão de um herói de última hora é facilitada por alguns aspectos: miséria social, ignorância, nacionalismo, euforia e esperança coletivas, etc.
         A última figura brasileira que assumiu a condição de heroína, na qual estamos nos viciando, é a Ministra do STJ Eliana Calmon. Tida como paladina da moralidade no trato com a coisa pública, ela mesma já confessou em entrevistas que se valeu de elementos políticos e troca de favores para alçar ao posto em que se encontra atualmente. Apesar disso, sua atuação na defesa do CNJ tem sido absolutamente primordial. Entretanto, alguém defender esta instituição é apenas uma parte daquilo que nos é essencial: a própria instituição.
         A política brasileira, desde sempre calcada no personalismo e em moralismos de toda sorte, não costuma prestigiar as instituições que, na verdade, são os entes que nos permite viver em um Estado democrático de direito. Falamos aqui nas instituições que compõem os poderes da República e no respeito aos seus regimentos internos. O amadurecimento da democracia brasileira demanda a retidão e a deferências às instituições. Apesar do imponderável que perambula pela história, não há mais espaço para grandes rompimentos institucionais. Pelo contrário, o momento é auspicioso para reforçar a imprescindibilidade das instituições que asseguram os direitos fundamentais e garantias de cada cidadão. Para exemplificarmos isto, podemos citar a atuação da Polícia Federal, do CNJ ou a transição de chefes de governo nas últimas eleições. Nesse aspecto, apesar dos desmandos e exageros que se vê por aí, estamos muito adiantados em relação aos nossos vizinhos latino-americanos.         
         Alguém poderia questionar a influência das instituições argumentando que quem faz a história são os homens. De fato, as próprias instituições são criadas pelos homens; o que não se pode negar, no entanto, é o constrangimento que elas causam nas ações humanas. Suas regras, seus regimentos, suas normas, corretas ou não, impõem um dever àqueles que estão temporariamente no poder. Ainda assim poderiam questionar: mas e os inúmeros casos de corrupção com o consequente desrespeito às leis? Ora, a incipiente democracia brasileira não faz milagres; políticos personalistas e populistas vicejam amiúde por aí. Somente a pressão institucional e popular, desde que razoável e moderada, será capaz de colocá-los em seus devidos lugares. Parafraseando Antonio Gramsci, vivemos em um período em que o velho morre – personalismo populista – e o novo (ainda) não consegue nascer – as instituições.
         Política e Justiça modernas são feitas com instituições fortes e respeitadas, que estão muito além daqueles que as dirigem temporariamente. Aspirantes a heróis e anti-heróis, ainda que bem intencionados, precisam entender a importância da normalidade institucional para que a população não se torne refém da boa ou má vontade de poucos. De qualquer forma, lugar de herói é nos filmes e seriados.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Revogar é preciso. Legislar, nem tanto

Bruno Garschagen


     Tenho tratado de forma recorrente, sob o risco de cultivar uma pequena obsessão, sobre a mentalidade legislativa da sociedade brasileira que, como vários aspectos da vida nativa, converteu-se num valor cultural pela força do exercício permanente de defesa, sugestão e criação de leis pelos representantes de nossas instituições políticas. É comum o brasileiro sugerir a criação de leis para resolver todo tipo de problema social, político, jurídico, econômico, penal et cetera, como se uma norma positivada fosse capaz de fornecer respostas rápidas e perfeitas. E na ânsia de elaborar uma lei, não se analisa a sua efetiva abrangência e consequências não-intencionais, que geralmente comprometem as liberdades, aumentam os custos de transação, reduzem o capital social e minam a confiança dentro da sociedade.
     Se a Constituição brasileira garante o direito à saúde, o que implicaria garantir que cada um dos habitantes do país estivesse proibido de ser acometido por alguma doença, e o Congresso é prolífico na aprovação de leis que convertem o Brasil naquele sujeito simpático que jura aos colegas ser o verdadeiro Napoleão, concentramos nossa indignação em projetos de lei esdrúxulos, como aquele de um vereador de Vila Velha (Espírito Santo) que pretende proibir moças impetuosas de se casarem sem calcinha nas igrejas da cidade.
     Nosso foco de atenção passa a registrar somente aquilo que é absurdo e a desconsiderar questões mais sérias que nos afetam diretamente. Se você ignora e não está minimamente interessado no que os políticos fazem não se sentirá violado com as normas do Ministério da Educação para garantir ao seu filho uma educação de assustadora qualidade ideológica; não se sentirá roubado a cada norma tributária em vigor que confisca um pedaço da riqueza que você gera; não se sentirá atacado se em nome de uma abstrata e fictícia legislação ou programa de segurança pública coletiva a sua segurança não for garantida, a autodefesa for criminalizada e seus direitos individuais eliminados gradativamente. Como poderá ser eficaz a defesa da liberdade numa sociedade ideologicamente corrompida de tal forma que aceita a sua extinção em nome do interesse público?
    O brasileiro foi acostumado a reagir instintivamente aos acontecimentos sacando uma lei do bolso como um pistoleiro do velho Oeste. O assassino abusou da crueldade? Crie-se uma lei que puna aquele ato bárbaro (apesar de a lei não alcançar aquele criminoso que motivou a criação da norma penal). O político inovou na roubalheira? Crie-se uma lei que coíba aquela prática no futuro, mesmo que tal seja de impossível repetição. Uma empresa produziu um artigo defeituoso? Crie-se uma lei para punir todas as empresas e criar mais barreiras à iniciativa privada. Um servidor público se deixou corromper? Crie-se mais uma regra administrativa para burocratizar ainda mais o já burocrático serviço público. E de lei em lei o estado-dinossauro afia os dentes e enche o estômago.
   Quando vejo uma entrevista em que um cidadão suplica por uma nova lei e um político assume tal iniciativa, sou assaltado por um sentimento reverso: quando é que aparecerá uma alma caridosa a defender a revogação ou derrogação das leis?
    Temos leis em excesso. Temos leis que tentam resolver problemas criados por outras leis sem que se chegue à origem do problema. Pelo contrário, a lei que pretendia consertar a lei problemática só acrescenta mais um problema ao conjunto de problemas.
     Também temos leis que criam novos problemas e transferem os custos de sua aplicação e os malefícios de suas consequências para a sociedade, que às vezes reclama ao receber a fatura. O desempregado que reclama por emprego é o mesmo que defende a fascista legislação trabalhista, feita para garantir os empregos de quem já está empregado e desestimular ou impedir a abertura de novas vagas e o crescimento da remuneração de acordo com a competência do trabalhador.
     Revogar lei é preciso. Legislar, nem tanto.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Quem decide o que devemos assistir?

         A pergunta acima pode parecer trivial, já que qualquer um responderia que ele próprio deve escolher seu programa de televisão preferido. Infelizmente, a questão não é tão simples como se gostaria que fosse. A Lei 12.485/2011, vista como o novo marco regulatório para o setor audiovisual, estabelece algumas disposições polêmicas. Dentre elas, impõe a veiculação de, pelo menos, três horas e meia por semana de programação com conteúdo nacional. Seria uma forma, conforme consta no site da Ancine (Agência Nacional do Cinema),  de “aumentar a produção e a circulação de conteúdo audiovisual brasileiro, diversificado e de qualidade, gerando emprego, renda, royalties, mais profissionalismo e o fortalecimento da cultura nacional”. Contudo, pergunta-se: seria esta a melhor forma de garantir que as produções brasileiras sejam vistas por aqueles que pagam pelos serviços de TV a cabo?
         Alguns países, sobretudo europeus, têm cotas de exibição de programas nacionais. Na França e na Alemanha, por exemplo, o espaço para programas nacionais e europeus chega a quase 50% do tempo total de programação da televisão. Ante estes exemplos, poder-se-ia achar absolutamente normal a instituição deste dispositivo, supostamente democratizante, que daria maior pluralidade à programação. Algumas perguntas devem ser feitas é a seguinte: o conteúdo nacional é, por ser nacional, melhor que o estrangeiro? A tibieza, ainda que menor atualmente, dos programas e filmes nacionais é decorrência da força dos filmes americanos? Não seria, na verdade, o oposto? Isto é, pode-se raciocinar que o bom momento do cinema brasileiro, com boas produções e filmes bem sucedidos, se deve à influência do formato dos filmes norte-americanos, marcadamente dinâmicos e envolventes, características que agrada a maioria daqueles que se propõe a ver um filme. Não seria esse o caso do filme “A Tropa de Elite” ou de seriados que caíram no gosto das pessoas, como aqueles que exploram situações cômicas da vida cotidiana?
         Além disso, pode-se falar que o tempo imposto do total da programação é mínimo, visto que significa apenas 2,08% da programação semanal. Não obstante, isso pode denotar o começo de mais uma das formas de intromissão estatal no âmbito cultural da população brasileira. Para aqueles que acham pouco, dever-se-ia pensar em termos de princípios gerais que precisam ser mantidos, como os direitos individuais, o direito à escolha que representa a própria liberdade de escolha. Assim, é impossível dizer se a porcentagem acima reservada à programação de conteúdo nacional é razoável ou não, pois não há como medir o nível de aceitação e satisfação dos telespectadores, visto que tais programas serão impostos a eles. Além deste problema, ressalta-se também a questão da reserva de mercado. Sem dúvida, esta lei é mais um exemplo da famigerada cultura brasileira de nos “proteger” do outro, especialmente quando este não é brasileiro. Historicamente, quando um grupo de pressão obtém êxito em seu lobby, há uma forte tendência de continuar e até aumentar sua força no sentindo de auferir maiores ganhos.  No caso, pode-se aventar que a porcentagem inicial da programação de conteúdo nacional tende a crescer paulatinamente.

         Qualquer raciocínio baseado exclusivamente em nacionalismo – seja econômico, político ou cultural –, é um embuste. A rigor, o fato de um objeto, uma ideia ou uma mercadoria ser brasileira diz muito pouco sobre sua qualidade. Não se trata de rechaçá-los por trazer o rótulo “nacional”, mas também se pode endeusá-los e protegê-los pelo mesmo motivo. Alguns comentários criticam o posicionamento de um grupo estrangeiro dono de uma TV a cabo; por ser estrangeiro, não poderia questionar uma lei brasileira que buscaria prestigiar a cultura brasileira. Ora, se o grupo que transmite os programas fosse brasileiro não haveria problema? De toda sorte, se o programa, seja um filme, um seriado ou uma novela brasileira é boa, não há razão de existir uma lei para lhe garantir espaço na programação, já que caindo no gosto dos telespectadores, trará lucros para seus produtores e ibope para o canal.

Conhece-te a ti mesmo

Luis Felipe Pondé


         Decidi mudar. Não serei mais aquela pessoa que acha que as pessoas não mudam e que não há história, mas sim um eterno retorno do mesmo. Nietzsche nunca mais, só Rousseau e seu estado de natureza angelical. Acredito agora nas primaveras que cortam o mundo. Fui à livraria mais próxima, ou melhor, ao iPad mais próximo, e comprei um livro que me indicaram: "Dez passos para ser um novo Pondé", autoria de um certo sábio chinês que talvez seja um neto de coreano nascido na Califórnia de pais porto-riquenhos.
        O primeiro passo é aprender a respirar. Sou dono da minha respiração agora. Em seguida, alimentação. Nunca mais carne vermelha. De início, ainda frango e peixe, mas em breve pretendo me tornar um amante das rúculas e alfaces, mas sempre pedindo perdão por precisar tirá-las de sua vida doce e promissora fazendo fotossíntese. Coca-Cola, nem pensar. Além do mais, é americana! Vinho, só natural.
        Um segredo: continuarei a ir aos EUA porque um tênis lá custa cinco dólares! Irei escondido e voltarei com dez malas. Mas, temos ou não direito a ter tênis baratos? Acho uma falta de respeito proibir as pessoas de comprar tênis e jogos eletrônicos baratos em Miami.
        Amarei a África. Abraçarei todas as ONGs do mundo. Direi às pessoas que elas são lindas e que o mundo faz parte de uma confederação cósmica. Os maias foram o povo mais avançado da história e decidi frequentar escolas aborígenes para aprender seu complexo modo de criar sociedades mais justas. Religião: nunca mais essa coisa pesada de judaísmo e cristianismo, religiões que nos estragam com sua moral "imposta". Candomblé também não. Claro, como é religião africana, seria aprovada pelo meu novo eu, mas em alguns terreiros baixam pombagiras, e elas foram prostitutas e adúlteras, e não quero nem chegar perto disso! Aliás, decidi que essas coisas não existem.
          Minha nova religião será uma forma de budismo light, aquele tipo que cultua a energia do universo. Sei que existem outros tipos, mas aqueles são autoritários. Toco as plantas com mais cuidado e percebi que elas são mais sábias do que Freud. Claro, comprei uma estatueta de um golfinho e joguei fora aquela esfinge do Édipo horrorosa que minha irmã me deu em Londres. Nunca mais tragédia grega, agora só revistas que nos ensinam como o mundo pode ser melhor se arrumarmos nossos sofás de forma mais harmônica com as estrelas. Contratei uma mestra em decoração oriental. Ela é uma mulher supermagra e equilibrada. Imagine que curou um câncer em seu gato com reiki.
          Direi para todo mundo que não gosto de dinheiro e que gosto das pessoas pelo que elas são e não pelo que elas têm. Perguntarei aos artistas com consciência social o que posso dizer e fazer. Vendi meu horroroso carro inglês. Estou aprendendo a andar de bike (já sabia andar de bicicleta, mas bike é outra vibe). Ainda que tenha que atravessar as ladeiras das Perdizes para ir trabalhar (pena que ainda tenha que fazer parte desse mundo terrível de pessoas que trocam sua dignidade por dinheiro), já me explicaram que cada pedalada evita duas moléculas de gás carbônico, o que faz de mim uma pessoa com pegada de carbono sustentável.
          Sexo, agora, só verde. Se provarem que esperma polui o mundo, evitarei o orgasmo, assim como na Idade Média dizem que mulheres santas evitavam gozar para serem puras aos olhos de Deus. Enfim, sinto-me leve com meu novo eu. Provavelmente, serei mais amado, e isso é que conta, não? Acredito, agora, num mundo melhor. De repente, acordei. Sentei na cama. Ao lado, minha mulher dormia, com seu corpo de pecadora. Fui até a biblioteca e vi os livros de Nietzsche, Freud, Pascal, Dostoiévski, Cioran, Bernanos, Roth, Camus, Nelson Rodrigues me olhando com olhos de profetas. Os dedos indicadores em riste apontavam para mim.
         Ao lado de minha estatueta da esfinge de Édipo, lia-se: "Conhece-te a ti mesmo". Voltara a ser eu mesmo. Esse miserável escravo das moiras, de felicidade complicada, doçura rara, boca seca e olhos vermelhos. Reconheci-me: sou o mesmo pecador de sempre, sem esperança.