sexta-feira, 29 de junho de 2012

Precisamos de menos leis


João Luiz Mauad

Certa vez, fui convidado a participar de uma reunião de apresentação das ideias e propostas de um candidato a vereador. O rapaz era bem falante, articulado e intencionado.  Durante meia hora, resumiu sua plataforma:  propor um sem-número de projetos de lei que, a seu juízo, iriam melhorar a qualidade de vida dos cidadãos.
Ao final, houve um breve debate no qual cada um falou dos problemas que gostaria de ver resolvidos, como asfaltamento de ruas, policiamento noturno, mudanças no trânsito, poda de árvores, pontos de ônibus, preço da água de coco nas praias e até cocô de cachorro nas calçadas.  Na minha vez, para espanto de muitos, eu disse que gostaria de votar num candidato que estivesse comprometido, única e exclusivamente, com a fiscalização das contas e ações do prefeito, além da revogação de centenas de leis e decretos inúteis ou contraproducentes. A expressão de incredulidade no rosto do moço era visível, principalmente quando eu disse que não apoiava uma só das propostas de lei que ele, orgulhosamente, havia elencado.
Lembrei daquela noite há poucos dias, ao ler nos jornais sobre uma lei recentemente sancionada pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, obrigando os frequentadores de academias daquela cidade a apresentar exames e atestados médicos semestrais, que deverão ser mantidos junto às fichas dos alunos para eventual fiscalização da autoridade competente.  Desnecessário dizer que o não cumprimento da lei pode levar ao fechamento do estabelecimento, afinal as pessoas não sabem o que é melhor para elas (exceto no interior de uma cabine de votação, claro) e o Estado precisa cuidar para que tomem as “decisões” corretas. Por ser uma medida exagerada, esta lei provavelmente incentivará fraudes, como a busca por atestados falsos, exames comprados, consultas burocráticas, além, é claro, do desestímulo à prática do próprio exercício.
Não foram raras as vezes, ao longo da história, em que leis elaboradas com as melhores das intenções acabaram gerando incentivos perversos e consequências imprevistas, muitas vezes na direção oposta à planejada.  É clássico, por exemplo, o episódio ocorrido em Hanoi, Vietnam, ainda no tempo da colonização francesa.  Preocupadas com a proliferação dos ratos na cidade, as autoridades elaboraram um programa destinado a pagar um certo prêmio para cada rato abatido pelos cidadãos. Imaginavam que, com o auxílio da população, poderiam exterminar os roedores mais facilmente. Tudo que conseguiram, entretanto, foi que as pessoas começassem a criar ratos em casa para vendê-los ao laborioso governo.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), desde 05 de outubro de 1988 (data da promulgação da atual Constituição Federal), até 05 de outubro de 2011 (seu 23o aniversário), foram editadas 4.353.665 normas que regem a vida dos cidadãos brasileiros. Isto representa, em média, 776 normas editadas por dia útil.  Trata-se de um evidente exagero, cujo resultado, como advertia Churchill, é o aumento contínuo do desrespeito à Lei.
Embora a necessidade de desregulamentação e simplificação legislativa seja quase unânime, medidas nesse sentido são raríssimas.  E não poderia ser diferente, já que o padrão normalmente utilizado para medir a eficiência de políticos e administradores públicos é justamente a quantidade de normas aprovadas, como bem sabia o nosso candidato a vereador.
O mais preocupante, contudo, são as consequências do excesso de regras.  O antigo filósofo chinês Lao Tsu, considerdo por muitos o primeiro pensador liberal, já dizia que quanto mais restrições artificiais impuserem ao povo, mais ele será empobrecido; e quanto mais leis e regulamentos houver, mais se estimularão as fraudes, os roubos e outros ilícitos.
Alguns dirão que, à medida que a sociedade cresce, as normas devem se multiplicar, a fim de que a ordem seja mantida.  Ledo engano.  Quanto mais complexas forem as sociedades, mais as leis devem ser poucas e simples.  Como não são sere sonipresentes e oniscientes, os legisladores não conhecem nem um milionésimo do cotidiano de uma sociedade complexa, sendo-lhes impossível obter as informações de que necessitariam para planejá-la e direcioná-la consistentemente.  Na verdade, os indivíduos que atuam em nome do Estado não conhecem nem uma ínfima parcela das pessoas, dos fatos e das circunstâncias que envolvem cada relação social ou transação e conômica.  Inibir a livre iniciativa equivale a frear o desenvolvimento. Aliás, não é outra a razão porque as experiências de planificação e dirigismo estatal ao redor do mundo redundaram sempre em formidáveis fracassos.

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