João Luiz Mauad
Certa vez, fui convidado a
participar de uma reunião de apresentação das ideias e propostas de um
candidato a vereador. O rapaz era bem falante, articulado e
intencionado. Durante meia hora, resumiu sua plataforma:
propor um sem-número de projetos de lei que, a seu juízo, iriam melhorar a
qualidade de vida dos cidadãos.
Ao final, houve um breve
debate no qual cada um falou dos problemas que gostaria de ver resolvidos,
como asfaltamento de ruas, policiamento noturno, mudanças no trânsito, poda de
árvores, pontos de ônibus, preço da água de coco nas praias e até cocô de cachorro
nas calçadas. Na minha vez, para espanto de muitos, eu disse que
gostaria de votar num candidato que estivesse comprometido, única e
exclusivamente, com a fiscalização das contas e ações do prefeito, além da
revogação de centenas de leis e decretos inúteis ou contraproducentes. A
expressão de incredulidade no rosto do moço era visível, principalmente quando
eu disse que não apoiava uma só das propostas de lei que ele,
orgulhosamente, havia elencado.
Lembrei daquela noite há
poucos dias, ao ler nos jornais sobre uma lei recentemente sancionada
pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, obrigando os frequentadores de
academias daquela cidade a apresentar exames e atestados médicos semestrais,
que deverão ser mantidos junto às fichas dos alunos para eventual fiscalização
da autoridade competente. Desnecessário dizer que o não cumprimento da
lei pode levar ao fechamento do estabelecimento, afinal as pessoas não sabem o
que é melhor para elas (exceto no interior de uma cabine de votação, claro) e o
Estado precisa cuidar para que tomem as “decisões” corretas. Por ser uma medida
exagerada, esta lei provavelmente incentivará fraudes, como a busca por
atestados falsos, exames comprados, consultas burocráticas, além, é claro, do
desestímulo à prática do próprio exercício.
Não foram raras as vezes, ao
longo da história, em que leis elaboradas com as melhores das intenções
acabaram gerando incentivos perversos e consequências imprevistas, muitas vezes
na direção oposta à planejada. É clássico, por exemplo, o episódio
ocorrido em Hanoi, Vietnam, ainda no tempo da colonização francesa.
Preocupadas com a proliferação dos ratos na cidade, as autoridades elaboraram
um programa destinado a pagar um certo prêmio para cada rato abatido pelos
cidadãos. Imaginavam que, com o auxílio da população, poderiam exterminar os
roedores mais facilmente. Tudo que conseguiram, entretanto, foi que as pessoas
começassem a criar ratos em casa para vendê-los ao laborioso governo.
Segundo dados do Instituto
Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), desde 05 de outubro de 1988 (data
da promulgação da atual Constituição Federal), até 05 de outubro de 2011 (seu
23o aniversário), foram editadas 4.353.665 normas que regem a vida dos cidadãos
brasileiros. Isto representa, em média, 776 normas editadas por dia útil.
Trata-se de um evidente exagero, cujo resultado, como advertia Churchill, é o
aumento contínuo do desrespeito à Lei.
Embora a necessidade de
desregulamentação e simplificação legislativa seja quase unânime, medidas nesse
sentido são raríssimas. E não poderia ser diferente, já que o padrão
normalmente utilizado para medir a eficiência de políticos e administradores
públicos é justamente a quantidade de normas aprovadas, como bem sabia o nosso
candidato a vereador.
O mais preocupante, contudo,
são as consequências do excesso de regras. O antigo filósofo chinês Lao
Tsu, considerdo por muitos o primeiro pensador liberal, já dizia que quanto
mais restrições artificiais impuserem ao povo, mais ele será empobrecido; e
quanto mais leis e regulamentos houver, mais se estimularão as fraudes, os
roubos e outros ilícitos.
Alguns dirão que, à medida
que a sociedade cresce, as normas devem se multiplicar, a fim de que a ordem
seja mantida. Ledo engano. Quanto mais complexas forem as
sociedades, mais as leis devem ser poucas e simples. Como não são sere
sonipresentes e oniscientes, os legisladores não conhecem nem um milionésimo do
cotidiano de uma sociedade complexa, sendo-lhes impossível obter as informações
de que necessitariam para planejá-la e direcioná-la consistentemente. Na
verdade, os indivíduos que atuam em nome do Estado não conhecem nem uma ínfima
parcela das pessoas, dos fatos e das circunstâncias que envolvem cada relação
social ou transação e conômica. Inibir a livre iniciativa equivale a
frear o desenvolvimento. Aliás, não é outra a razão porque as experiências
de planificação e dirigismo estatal ao redor do mundo redundaram sempre em
formidáveis fracassos.
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