sábado, 25 de fevereiro de 2012

Direitos humanos e cidadania: convergências ou divergências?

        A questão posta no título desse texto remete à realidade político-social brasileira atual, mais de cem anos depois da elevação dos valores republicanos e democráticos por meio da Proclamação da República em 1889 no Brasil, além dos sessenta anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem em inúmeros países. No meio desses importantes signos da história da humanidade, a cidadania – como medidor da realização dos outros dois – apresenta sinais alarmantes.
         Conceitualmente, cidadania é a conjunção dos direitos cívicos, políticos e sociais garantidos pelo Estado a todos os homens. Essa idéia tem origem nas formulações de T. H. Marshall, conhecido sociólogo inglês do século passado. Este, ao estudar a história inglesa, atentou para a seguinte disposição do desenvolvimento político de seu país: em primeiro, no século XVIII, vieram os direitos civis, ou seja, direitos necessários à liberdade individual, liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, o direito à propriedade, contratos válidos e o direito à justiça, e a criação de instituições, como os tribunais de justiça; posteriormente, no século XIX, os direitos políticos vieram à luz, o direito de participar no exercício do poder político, seja como eleitor ou mandatário, a construção das instituições, como o parlamento e os conselhos de governo local; por fim, já no século XX, os direitos sociais - o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar da herança social e levar a vida de um ser civilizado, além da garantia de um sistema educacional e de serviços sociais.
         Em comparação à versão clássica, a história brasileira subverteu a ordem, de sorte que os primeiros direitos – incompletos e atacados até hoje, embora ressaltados na Constituição de 1988 – foram os sociais, caracterizados sobretudo pela legislação trabalhista dos anos 1930. A Carta Constitucional de 1945 deu vez aos direitos políticos, a partir do fomento de partidos políticos nacionais e da consolidação do voto feminino. Os direitos civis, embora sejam basilares e capazes de salvaguardar os outros dois grupos, são os mais castigados e incompletos, principalmente pela Ditadura Varguista de 1937 a 1945 e pela Ditadura Militar de 1964 a 1985.
         A narração das duas trajetórias é importante para colocar as seguintes questões: se a Declaração dos Direitos Humanos assegura as prerrogativas arroladas no documento a todas as pessoas, por outro lado, a situação da cidadania no Brasil passa ao largo disso, justamente pelas razões acima apontadas. Buscar a universalidade das proposições significa aprofundar os direitos à educação e à saúde públicas e de qualidade, às mais diversas liberdades políticas e civis. Contudo, o que se tem visto são tentativas camufladas de desrespeitar tais elementos; um exemplo é o pedido de empresários que, em tempos de crise econômica, batem na mesma tecla da suspensão temporária – termo ardilosamente impreciso – dos direitos trabalhistas, o núcleo dos direitos sociais. Um segundo fato ilustrativo é a idéia de que não se deve proteger os “bandidos”, de forma que estaria punindo indiretamente os “humanos direitos”. Ora, nada mais contrário à idéia capital da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Como partícipe de uma comunidade, seja ela um país, uma cidade ou um Estado-membro, mesmo o mais vil dos cidadãos deve ter seus direitos garantidos pelo Estado, sob pena de ser criado um poder discricionário, o qual julga arbitrariamente e anula os direitos humanos. Não se trata de um jogo de soma zero, muito menos de retirar os direitos humanos para garantir a efetividade dos direitos de outros, a questão é somá-los e garanti-los a todos.
         Ademais, renomados pesquisadores afirmam a existência de cidadãos de diversas “categorias” no Brasil: aqueles que têm seus direitos respeitados, outros que vivem no limiar dos direitos, ora respeitados, ora não; e os marginalizados, alijados de qualquer noção de direito. 

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