segunda-feira, 26 de março de 2012

A conivência dos clubes com a violência

        As notícias sobre mais um assassinato de um torcedor traz à baila algumas questões sobre o fracasso da segurança pública quando da realização de grandes eventos nas capitais pelo país afora. O fracasso é retumbante e isso não há como negar. Ficou mais do que explícito com a confissão de um policial militar ao dizer que a polícia ficou assistindo ao conflito, já que não havia o que fazer. Problemas na (des)inteligência da PM? Sem dúvida, mas não apenas isso. Talvez a dificuldade maior esteja nas respostas apresentadas até agora. Em regra, o que se faz quando ocorre uma morte de torcedor por conta de brigas entre torcidas? Impede-se que elas entrem no estádio com as camisas que as identificam, como se disso fosse surtir algum efeito.
         Mas ao invés de criticar a inoperância da Polícia Militar e a inação do Ministério Público e da Justiça de uma forma geral, é interessante abordar este tipo de violência a partir dos clubes de futebol. E por qual motivo analisar este problema por tal perspectiva? Primeiramente, porque os clubes são afetados por tudo isto; em segundo lugar, porque deveriam fazer algo para minorar tal situação, já que muitos têm condições para isso; em terceiro, porque vivem – financeiramente falando – do futebol e as brigas arranham sobremaneira a imagem desse esporte, respingando nos cofres das agremiações.
         O que é um clube de futebol? É uma instituição privada como outra qualquer, é uma empresa que tem funcionários, investe capital, produz mercadorias valiosíssimas, gera renda, movimenta a economia e tudo isso porque tem clientes fieis. Quem seriam esses? Por óbvio, seus torcedores, que frequentam ou não os estádios. Partindo disto, qual é o posicionamento dos clubes diante da violência causada por seus sócios? Em regra, nenhuma. No máximo, algum dirigente do segundo escalão solta uma nota de repúdio ao fato, lamentando a situação e pedindo providências de forma genérica às autoridades públicas. Embora não seja suficiente, porque têm consciência de que isso não resolverá coisa alguma, é o máximo a que se dispõe fazer. Na Inglaterra, alguns clubes olham o problema de outra perspectiva. Partem da ideia de que, uma vez empresa privada e que precisam se preocupar com a imagem que passam aos seus sócios e clientes – além da questão da segurança em si –, devem tomar uma atitude séria e rigorosa, de sorte a impedir a entrada de seu torcedor violento por um longo período de tempo em seu estádio. O último exemplo é da semana passada, quando um time inglês proibiu seu torcedor de frequentar seus jogos por dez anos, em razão de ter levado determinada bandeira para provocar perigosamente a torcida adversária. Pode-se perguntar se um clube de futebol teria direito para fazer isso. A resposta é simples: sim, já que é uma instituição privada. Além disso, alguém poderia questionar se, em última instância, não seria menos lucrativo, já que afastaria um ou vários clientes. Em um curto espaço de tempo pode até ser, mas no longo prazo os efeitos de tal ação, como mais segurança à maioria absoluta dos torcedores, tende a aumentar o número de sócios e clientes, trazendo um faturamento maior.

         Infelizmente, por aqui não temos dirigentes com esta visão. Antes de soltar bravatas aos quatro ventos pedindo um basta à violência, dizendo que o futebol é do povo e que faz parte da cultura nacional, é preciso que olhem para o produto futebol e o quanto ele está sendo desvalorizado nos últimos anos por conta da violência das torcidas. Se deixarem nas mãos da Polícia Militar e do Ministério Público, como se tem visto nos últimos 20 anos, as decisões tomadas são e serão equivocadas e arbitrárias. E assim são porque, ao invés de identificar o torcedor que promove a bagunça, a violência, o MP resolve excluir toda uma coletividade (a torcida uniformizada), afligindo os direitos individuais e liberdades públicas daqueles que não deram causa ao ato violento, como a liberdade de associação, a liberdade de ir e vir da forma como quiser, desde que não prejudique outrem e de se divertir e se emocionar com seu clube do coração. Trata-se de uma medida populista perversa e ineficiente, como forma de tentar acobertar a ignorância e a incúria dos órgãos públicos e a inação dos coniventes clubes.

6 comentários:

  1. parabéns pelo texto!
    Abraços,
    Caio

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    1. Valeu Caio; agradeço pela visita. Volte sempre..rs.. Abraço!

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  2. Muito bem falado, Pedrão, assino embaixo. É inadmissível esperar da Polícia Militar, extremamente mal paga, a segurança necessária para coibir atos de violência dessa natureza. o MP é ridículo ao ainda insistir com a ideia de fazer clássicos com uma só torcida: esvazia o espetáculo e não resolve o problema. Só mais um dado interessante no seu argumento sobre o futebol inglês: por serem instituições privadas, como você disse, os clubes são também responsáveis pela contratação, pagamento e demais consequências relacionadas à segurança dos jogos, como qualquer outra empresa que se predispõe a realizar um show, uma festa ou coisas do tipo.

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    1. É exatamente essa a ideia, Saulo. Um torcedor que foi vítima da violência de torcida poderia muito bem, por exemplo, pedir indenização ao clube baseado no Código de Defesa do Consumidor, já que há uma relação de fornecedor de serviço e consumidor. Claro que poderia entrar contra o Estado também. Enfim, o que me assusta é a visão arbitrária e estúpida da PM e, principalmente, do Ministério Público. Proibir uma torcida toda de frequentar o estádio fere a liberdade e o direito daquele que só ver futebol; é uma medida populista. Bom, o debate é longo; só quis dar minha pitada. Agradeço pela visita, cara. Abração!

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  3. Muito bom o seu Artigo ! Trata o assunto de forma mais aprofundada, visão esta que falta na maior parte da imprensa brasileira, que costuma cobrir os fatos de forma sensacionalista.
    Ficou claro no seu artigo, que o triste fato ocorrido neste último final de semana é a junção de uma série de problemas, algo complexo, e que com certeza não será resolvido banindo as torcidas organizadas dos estádios, até mesmo porque, o confronto ocorreu quilômetros de distância do Pacaembu! Pelo visto, estamos longe de resolver o problema, enquanto isso.... mais pessoas poderão perder suas vidas.

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  4. Pedrão, este artigo é bem oportuno para discutir os fatos recentes que marcaram a última semana. Li, gostei, mas não vai dar pra comentar agora...hehehe. Tô até as tampas com coisas pra fazer por aqui...Minha passegem pelo blog é mais para mandar um abraço. Em breve deixarei algum comentário. Valeu, abraço!

    Júlio Barassa

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