Ferreira Gullar
Deixei a poeira assentar
para dar meu palpite sobre a polêmica surgida com o impeachment do presidente
Fernando Lugo, do Paraguai. Ao saber da notícia, logo previ a reação que teriam
os presidentes de alguns países sul-americanos, inclusive o Brasil.
E não deu outra. Hugo Chávez
e Cristina Kirchner, como era de se esperar, reagiram de pronto e com a
irreflexão que os caracteriza. Logo em seguida, manifestou-se Rafael Correa, do
Equador, que, com a arrogância de sempre, rompeu relações com o novo governo paraguaio.
Chávez decidiu cortar o fornecimento de petróleo àquele país. E o Brasil?
Fiquei na expectativa.
Como observou certa vez
García Márquez, o Brasil é um país sensato e, acrescento eu, talvez por nossa
ascendência portuguesa, pé no chão. E assim foi que Dilma primeiro mandou seu
ministro das Relações Exteriores qualificar o impeachment de "rito
sumário". Ou seja, não teria sido dado a Lugo tempo para se defender.
Sucede que o próprio Lugo,
presente à sessão do Congresso quando se votou seu impedimento, declarou:
"Aceito a decisão do Congresso e estou disposto a responder por meus atos
como presidente".
Não disse que o Congresso
agira fora da lei nem que tinha sido impedido de se defender. De acordo com as
normas constitucionais paraguaias, recorreu à Suprema Corte e ao Tribunal
Superior de Justiça, que não atenderam a seus recursos por considerarem
constitucional a deposição e legítima a entrega do governo ao vice-presidente.
Só depois que os vizinhos
tomaram a inusitada atitude de repelir a decisão do Congresso paraguaio foi que
Lugo mudou de opinião e decidiu formar um governo paralelo, este, sim,
destituído de qualquer base legal.
Fala-se em golpe, mas só um
presidente já politicamente inviável é impedido com o apoio praticamente
unânime do Congresso: 76 votos a 1 na Câmara de Deputados e 39 a 5 no Senado.
Fora isso, nem os militares nem o povo paraguaios se opuseram. Pelo contrário,
o impeachment de Lugo parece fruto de uma concordância nacional. Nessa decisão
pesou, sem dúvida, o Partido Liberal, de centro-direita. Mas foi com o apoio
deste que ele se elegera presidente da República.
O que houve então? Um complô
de que participaram todos os partidos e quase a totalidade dos deputados e
senadores? Se fosse isso, o povo paraguaio teria saído às ruas para protestar e
denunciá-los. Só uns poucos o fizeram. As Forças Armadas, os intelectuais, os
sindicatos protestaram? Ninguém.
O inconformismo com o
impeachment de Lugo veio de fora do país: de Hugo Chávez, Cristina Kirchner,
Evo Morales, Dilma Rousseff, que se apresentam como defensores da democracia.
Serão mesmo?
Vejamos. Hugo Chávez
suspendeu o funcionamento de 60 emissoras de rádio e televisão que se opunham a
seu governo, criou uma espécie de juventude nazista para atacar seus opositores
e fez o Congresso mudar a Constituição para permitir que ele se reeleja
indefinidamente. Cristina Kirchner apropriou-se da única empresa que fornece
papel à imprensa argentina, de modo que, agora, jornal que a criticar pode
parar de circular.
Já Rafael Correa processa um
jornal de oposição por dia, exigindo indenizações bilionárias. Democratas como
esses há poucos. Dilma mandou seu chanceler a Assunção para pressionar o
Congresso paraguaio e evitar o impedimento de Lugo, como o faziam antigamente
os norte-americanos conosco.
Como se vê, há um tipo de
democrata que só defende a democracia quando lhe convém. Mas, mesmo que Chávez,
Cristina, Morales, Correa e Dilma fossem exemplos de líderes democráticos,
teriam ainda assim o direito de se sobrepor às instituições paraguaias e à
opinião pública daquele país?
Como o impeachment de Lugo
consumou-se de acordo com a Constituição paraguaia e pela quase unanimidade dos
parlamentares, o único argumento do nosso chanceler foi o de ter sido feito em
"rito sumário". No entanto, que chance deram eles ao Paraguai para se
defender das sanções que lhe foram impostas? Nenhuma. Essas sanções, além de
sumárias, são também ofensivas às instituições do Estado paraguaio e a seu
povo.
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